LIXO IMPERIAL
Uma
obra do metrô do Rio revelou um aspecto curioso da história do Brasil: o lixo
produzido pela família real. Em meio às escavações de uma antiga estação
próxima ao palácio imperial foram encontradas aproximadamente 210 mil peças e
fragmentos de utensílios, usados pela corte portuguesa dentre os séculos XVI e
XIX. Nada de muito precioso, senão o fato de nos oferecer uma ideia do fausto
da tal família – como qualquer outra arvorada nos privilégios de mando e poder
sobre um povo – em contraposição às carências e pobreza que o lixo do populacho
sempre nos revelou.
Só
para registro, nossa família real era amante de tigelas européias e chinesas,
colheres de prata, pastas dentifrícias acondicionas em caixinhas de porcelana,
muitas jóias, perfumes finíssimos e loções francesas, remédios ingleses, água
mineral portuguesa engarrafadas exclusivamente “para a família real” e um
curioso desodorante com o nome bem aportuguesado: “anticatinga”. Esse derrapou
na objetividade! Mas, como bem sabem os estudiosos de qualquer grupo social:
pelo lixo se conhece o luxo. Ou, simplificando: o lixo que produzimos revela o
que somos!
Dessa
forma, fico a imaginar se fosse feito um estudo minucioso do lixo produzido nos
palácios brasilienses. Ou nas mansões dos que nos governam, até mesmo a nível
municipal. Ou nos condomínios e resorts que fragmentam nossa convivência urbana.
Ou mesmo nos muros que separam e delineiam nossas posses, nossas vilas e
favelas, nosso quintal das praças ditas públicas, nosso “eu” daqueles semelhantes
para os quais tapamos nariz e olhos, desejando fazer uso da anticatinga
imperial. Ou daqueles aos quais ateamos fogo ou enterramos vivos pelas mãos dos
filhinhos de papais apoiados em surdina e financiados por muitos como
saneadores de uma sociedade sórdida, insana, excludente. Do império à república,
da escravidão ao proletariado aparentemente protegido por uma CLT, pouco
evoluímos, pois o lixo continua o mesmo, senão pior.
Pior
quando as peças encontradas são frutos das escavações da consciência que ainda
nos resta. O que se pensar do jogo político sempre ao sabor das ondas dos
interesses partidários e ou corporativos, nunca populares? Das leis
antitrustes, costuradas infindamente com emendas sobre emendas, dos “embargos
infringentes” e processos intermináveis quando o réu ou condenado não é um
simples mortal da galera de contribuintes? Quando uma decisão da corte suprema
se anula num empate técnico (tanto faz cinco a cinco ou zero a zero) e tudo se
é entregue ao parecer de um único e decisivo voto de minerva? Justiça realmente
cega e muda!
Nada
de mais vergonhoso para uma nação que ver sua história escrita sobre o lixo que
produz. “Ora, o que se exige dos
administradores é que sejam fiéis. A mim pouco se me dá ser julgado por vós ou
por tribunal humano”, dizia Paulo aos Coríntios (4,2), que concluía: “Esperai
que venha o Senhor. Ele porá às claras o que se acha escondido” (4,5). E,
intuitivamente, afirmava no final “Chegamos a ser como que o lixo do mundo, a
escória de todos até agora...” Nada a temer quando acima das leis - do lixo humano
– que bem sabemos produzir, está a Justiça maior, aquela que bem conhece nossa
história pessoal, individual, o palácio mais glorioso que somos, que temos: o
reino dentre nós.
Como
bem lembrou a voz profética de Samuel: “Levanta do pó o mendigo, do lixo retira
o indigente, para fazê-los sentar-se entre os nobres e outorgar-lhe um trono de
honra. Porque do Senhor são as colunas da terra. Sobre elas estabeleceu o
mundo.” (I Sam 2,8) Sobre essa justiça às vezes dizemos: tarda, mas não falha. Que
venha a nós o seu Reino!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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