DIMENSÃO DA COMPAIXÃO
“Evangelizar
é tornar o Reino de Deus presente no mundo”. Com esta verdade, o papa Francisco
inicia o quarto capítulo de sua primeira e surpreendente exortação apostólica.
Na verdade, o compromisso social a que ele nos chama é, por si só, uma
confissão de fé. “O próprio mistério da Trindade nos recorda que somos criados
à imagem desta comunhão divina, pelo que não podemos realizar-nos nem salvar-nos
sozinhos. O que fazemos aos outros tem uma dimensão transcendente”. Como muito
bem nos ensinou o apóstolo: a fé sem obras é morta. “Assim como a Igreja é missionária por natureza,
também brota inevitavelmente dessa natureza a caridade efetiva para com o
próximo, a compaixão que compreende, assiste e promove” (178).
O
papa refuta qualquer justificativa vazia que tente excluir a Igreja das
questões sociais. Afinal, a missão salvadora de Cristo – e por extensão também
de sua Igreja – é oferecer “vida em abundância” a todos os povos, a todo gênero
humano. “Trata-se de amar a Deus que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar
entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de
dignidade para todos” (180). A doutrina social da Igreja é seu braço de ação
concreta, sua identidade como povo que se ama e partilha esse amor. Sem esse
testemunho, a coerência evangélica deixa de existir. Por isso o papa enfatiza:
“Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e
serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade
dos seus filhos também nesta terra” (182).
Exorta
empresários, empregadores e proprietários a fazerem melhor uso de suas riquezas.
Aquele que for melhor agraciado com as riquezas desse mundo, melhor deve
investir nas riquezas da solidariedade e da compaixão pelos pobres. “A
solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da
propriedade e o destino dos bens como realidades anteriores à propriedade
privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e alimentá-los
de modo a servirem melhor o bem comum” (189). Só onde a avareza sem limites, a
cegueira do egoísmo e a solidão do individualismo corroem a alma humana é que
essa verdade será refutada. Como não agradecer a Deus o privilégio de ser
administrador dos bens que nos confia? Como não multiplicá-los em função do bem
comum? “Respeitando a independência e a cultura de cada nação, é preciso
recordar-se sempre de que o planeta é de toda humanidade” (190).
Francisco
retoma a opção pelos pobres. “Quando amado, o pobre é estimado como de alto
valor, e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia,
de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais e
políticos” (199). Alguém vai negar que isso não aconteceu ou ainda acontece? Mas
coloquemos a verdade nos trilhos: Igreja sem solidariedade e compaixão não
existe. “Longe de mim um populismo irresponsável, mas a economia não pode mais
recorrer a remédios que são um novo veneno como quando se pretende aumentar a
rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos”
(204). Essa pesada denúncia papal só a voz de uma Igreja comprometida com os
pobres é capaz de fazer.
Cita o ecumenismo como primeiro passo para
afastar de vez a separação. Nada mais vergonhoso, por exemplo, que o processo
de evangelização na África ou Ásia. “Os missionários nesses continentes referem
repetidamente às críticas, queixas e sarcasmos que recebem por causa do
escândalo dos cristãos divididos” (246). Lembra que “o diálogo e a amizade com
os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus”. Que o
“diálogo inter religioso” nos ensina a “aceitar os outros na sua maneira
diferente de ser, de pensar e de se exprimir”. Conclama a uma melhor relação
com o Islão e todos os demais que não professem nossa fé. E conclui:
“Sentimo-nos como preciosos aliados no compromisso pela defesa da dignidade
humana” (257).
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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