POEMA NA AREIA
Passavam-se trinta
e quatro anos do grito de terra à vista, ecoado na esquadra de Cabral, quando
nasceu Anchieta. Com berço na longínqua ilha de Tenerife, nas Canárias
espanholas, aquela criança chegava ao mundo para encantar o Novo Mundo. Aos
quatorze anos foi para Coimbra, onde cursou Letras como aluno excepcional. Aos
dezessete, ingressou na Companhia de Jesus, ordem dos padres jesuítas. Aos
vinte, chegou ao Brasil, pelo porto de Salvador. Chegou a Porto Seguro
costeando nosso litoral, quando travou os primeiros contatos com a cultura
indígena, pela qual iria se apaixonar, tornar-se seu arraigado defensor,
educador e primeiro compilador e tradutor da língua nativa.
Tudo
era célere na vida de Anchieta. Esteve presente e participou da fundação das
duas maiores cidades brasileiras: Rio e São Paulo. Nesta última, por dez anos
desempenhou sua atividade religiosa e educacional no famoso colégio que ainda
hoje é marco da fundação paulistana. Foi nesse período que se tornou refém dos
índios tamoios, em Iperuí (1563) e escreveu seu mais famoso poema, usando como
rascunho as areias da praia. Pasmem: quase 6 mil versos de louvor à Virgem!
Voltou
então para a Bahia, onde concluiu seus estudos para o sacerdócio. Ordenado em
1566, retornou ao sul e continuou sua defesa das causas indígenas, escrevendo
várias peças teatrais - o meio de doutrinação e comunicação mais usual na época
– através das quais passava suas ideias e condenava as arbitrariedades que via
ao seu redor. Sua peça mais conhecida foi Pregação Universal, que lhe custou a
antipatia de muitos políticos por apresentar no enredo a figura de dois diabos
em referencia a dois mandatários bem conhecidos na província.
Nosso
dramaturgo foi um fundador de cidades. Além de São Paulo, atribuem-lhe a fundação
Reritiba, Guaraparim, Reis Magos, Macacu, Marueri e Guarulhos, dentre outras.
Por onde quer que passasse, sua maior atribuição era organizar o povo e
evangelizar. Principalmente, se índios ou colonos dispersos e perdidos no
processo de colonização que ainda fervilhava nas terras de Pindorama. Seus últimos
anos, depois de exercer por dez anos a função de provincial dos jesuítas no
Brasil, foi de completo isolamento na pequena Reritiba (hoje Anchieta – ES),
onde veio a falecer, sendo sepultado em Vitória. Esse foi o apóstolo do
Brasil! Elevado a beato da igreja em 1980, chega agora aos altares católicos
como Santo, por decreto do papa Francisco.
Como
vemos, a biografia do Pe. José de Anchieta não se resume a um simples poema na
areia. Apóstolo incansável e poeta inveterado, seu grande legado foi o amor a
Deus e a defesa de suas criaturas, em especial os mais indefesos. Escreveu:
“Todas as coisas criadas/ conhecem seu criador,/ e todas lhe têm amor,/ pois
dele são conservadas,/ cada qual em seu vigor.”
Vigor este que nunca lhe faltou. “Pois com tanta perfeição,/ o seu saber
te formou,/ homem capaz de razão,/ de todo teu coração/ ama a Deus que te
criou.” É dessa razão inquestionável que nasce a santidade humana, casta e
serena, capaz de fazer de uma vida um poema, um hino de louvor eterno,
imorredouro. Pois que na areia ficam, momentaneamente, nossos rastros, nossas
marcas. Mas no rascunho da vida que escrevemos, nesta sim, ficará para sempre a
marca da fé e do amor que devotamos. Não importa o quão fugaz seja nossa
existência, mas o quão intensa ela é. Não escreva sua vida na areia. Escreva no
coração de Deus. Então, quem sabe, a santidade – vocação cristã – um dia também
nos alcance e, a exemplo dos santos que hoje cruzam nossa história, possamos
resgatar a poesia de uma vida exemplar. São José de Anchieta, apóstolo do
Brasil, rogai por nós!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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