domingo, 23 de março de 2014

POEMA NA AREIA

POEMA NA AREIA
            Passavam-se trinta e quatro anos do grito de terra à vista, ecoado na esquadra de Cabral, quando nasceu Anchieta. Com berço na longínqua ilha de Tenerife, nas Canárias espanholas, aquela criança chegava ao mundo para encantar o Novo Mundo. Aos quatorze anos foi para Coimbra, onde cursou Letras como aluno excepcional. Aos dezessete, ingressou na Companhia de Jesus, ordem dos padres jesuítas. Aos vinte, chegou ao Brasil, pelo porto de Salvador. Chegou a Porto Seguro costeando nosso litoral, quando travou os primeiros contatos com a cultura indígena, pela qual iria se apaixonar, tornar-se seu arraigado defensor, educador e primeiro compilador e tradutor da língua nativa.
            Tudo era célere na vida de Anchieta. Esteve presente e participou da fundação das duas maiores cidades brasileiras: Rio e São Paulo. Nesta última, por dez anos desempenhou sua atividade religiosa e educacional no famoso colégio que ainda hoje é marco da fundação paulistana. Foi nesse período que se tornou refém dos índios tamoios, em Iperuí (1563) e escreveu seu mais famoso poema, usando como rascunho as areias da praia. Pasmem: quase 6 mil versos de louvor à Virgem!
            Voltou então para a Bahia, onde concluiu seus estudos para o sacerdócio. Ordenado em 1566, retornou ao sul e continuou sua defesa das causas indígenas, escrevendo várias peças teatrais - o meio de doutrinação e comunicação mais usual na época – através das quais passava suas ideias e condenava as arbitrariedades que via ao seu redor. Sua peça mais conhecida foi Pregação Universal, que lhe custou a antipatia de muitos políticos por apresentar no enredo a figura de dois diabos em referencia a dois mandatários bem conhecidos na província.
            Nosso dramaturgo foi um fundador de cidades. Além de São Paulo, atribuem-lhe a fundação Reritiba, Guaraparim, Reis Magos, Macacu, Marueri e Guarulhos, dentre outras. Por onde quer que passasse, sua maior atribuição era organizar o povo e evangelizar. Principalmente, se índios ou colonos dispersos e perdidos no processo de colonização que ainda fervilhava nas terras de Pindorama. Seus últimos anos, depois de exercer por dez anos a função de provincial dos jesuítas no Brasil, foi de completo isolamento na pequena Reritiba (hoje Anchieta – ES), onde veio a falecer, sendo sepultado em Vitória.  Esse foi o apóstolo do Brasil! Elevado a beato da igreja em 1980, chega agora aos altares católicos como Santo, por decreto do papa Francisco.
            Como vemos, a biografia do Pe. José de Anchieta não se resume a um simples poema na areia. Apóstolo incansável e poeta inveterado, seu grande legado foi o amor a Deus e a defesa de suas criaturas, em especial os mais indefesos. Escreveu: “Todas as coisas criadas/ conhecem seu criador,/ e todas lhe têm amor,/ pois dele são conservadas,/ cada qual em seu vigor.”  Vigor este que nunca lhe faltou. “Pois com tanta perfeição,/ o seu saber te formou,/ homem capaz de razão,/ de todo teu coração/ ama a Deus que te criou.” É dessa razão inquestionável que nasce a santidade humana, casta e serena, capaz de fazer de uma vida um poema, um hino de louvor eterno, imorredouro. Pois que na areia ficam, momentaneamente, nossos rastros, nossas marcas. Mas no rascunho da vida que escrevemos, nesta sim, ficará para sempre a marca da fé e do amor que devotamos. Não importa o quão fugaz seja nossa existência, mas o quão intensa ela é. Não escreva sua vida na areia. Escreva no coração de Deus. Então, quem sabe, a santidade – vocação cristã – um dia também nos alcance e, a exemplo dos santos que hoje cruzam nossa história, possamos resgatar a poesia de uma vida exemplar. São José de Anchieta, apóstolo do Brasil, rogai por nós!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br


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