ENDIREITANDO VEREDAS
Depois
da queda do muro de Berlim, o acontecimento mais significativo para a Paz entre
os povos – talvez o fato mais surpreendente no caótico cenário da diplomacia
mundial – foi o restabelecimento do diálogo entre Cuba e EUA, anunciado em data
histórica (17.12.2014) e simultaneamente pelos dirigentes das duas nações. Um
trabalho feito em surdina, com a mediação do papa Francisco e diplomatas de
vários países que ajudaram de uma forma ou de outra. Foram quase cinco décadas
de intransigências de ambos os lados, que proporcionou a várias gerações de
cubanos um total isolamento do mundo, do progresso e do mais básico dos
direitos humanos, a liberdade de ir e vir.
População
majoritariamente cristã (85 % se declaram batizados) apenas 2% se diz
católicos, mais por medo das habituais perseguições e perdas de oportunidades
junto ao partido comunista do que pela própria fé. Os católicos da ilha dos
irmãos Castro sempre se sentiram acuados dentro do sistema. Foi a partir da
publicação do livro “Fidel e a Religião” (1985) – uma longa entrevista que o
ditador cubano deu ao brasileiro Frei Beto e que vendou mais de um milhão de
exemplares – que o católico cubano começou a perceber que poderia ganhar
liberdade para professar sua fé. Em 1998 o papa João Paulo II visitou a ilha e
solidificou um pouco mais a liberdade religiosa. Em 2012 o papa Bento XVI
repetiu a visita, conseguindo então que se restaurassem as datas de Natal e
Páscoa como festas religiosas, ampliando significativamente o diálogo entre o Estado
cubano e a Sé católica.
Desde então, já
com a transmissão de cargo entre os irmãos, muitas das flexibilizações
implantadas pelo novo dirigente deram sinais de possibilidades de diálogo mais
amplo com o mundo. Nesse hiato de novas esperanças é que entrou a carismática
figura do papa Francisco, trocando e-mails entre Obama e Raúl e forçando um
diálogo à luz das práticas cristãs. Quebraram-se as resistências e o próprio
Vaticano ofereceu seus salões para acordos mais concretos. Tudo muito bem
pensado e planejado de forma a não melindrar opções políticas. À Igreja
interessava tão somente a alma do povo cubano, sua fé, sua gente... As relações
se costuravam com o cheiro de vela e muitas orações. Especialmente com a força
transformadora do Evangelho, fonte de todo consenso que se busque neste mundão
de Deus. “Buscai e achareis!”
Então
o milagre acontece. Nada mais significativo neste momento histórico do que aqui
registrar as palavras do cardeal cubano Jaime Ortega, um autêntico sobrevivente
desses anos de chumbo – que até cortador de cana um dia foi – e que hoje dirige
a sofrida igreja daquela ilha: “Como católicos cubanos, estamos muito
orgulhosos da posição firme do papa de, como bom pastor, reconciliar o que
estava dividido, como manda o Senhor”.
Vamos
acreditar. Afinal, como bem afirmou o presidente Obama: “Somos todos
americanos”. Somos todos membros de um mundo novo, sem grandes rancores inter-raciais,
sem radicalismos religiosos e predominantemente cristãos. Um continente povoado por todos os povos do
mundo, onde o encontro maior e mais representativo se deu à luz de novas
esperanças e oportunidades. Aqui a humanidade descobriu suas maiores virtudes,
o diálogo, a tolerância, o respeito mútuo. Divisões entre nós não tem sentido.
Ou, como recorda uma anedota assaz pertinente: Fidel e Guevara descansam numa
praia cubana, contemplando o horizonte e refletindo sobre seus feitos. Um deles
interroga: “Será que um dia Cuba vai reatar suas relações com os EUA?” Ao que o
outro responde com ironia, sem muito pensar: “Só quando o papa for argentino e
o presidente americano for um negro”. Dito e feito.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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