domingo, 21 de dezembro de 2014

ENDIREITANDO VEREDAS

ENDIREITANDO VEREDAS
            Depois da queda do muro de Berlim, o acontecimento mais significativo para a Paz entre os povos – talvez o fato mais surpreendente no caótico cenário da diplomacia mundial – foi o restabelecimento do diálogo entre Cuba e EUA, anunciado em data histórica (17.12.2014) e simultaneamente pelos dirigentes das duas nações. Um trabalho feito em surdina, com a mediação do papa Francisco e diplomatas de vários países que ajudaram de uma forma ou de outra. Foram quase cinco décadas de intransigências de ambos os lados, que proporcionou a várias gerações de cubanos um total isolamento do mundo, do progresso e do mais básico dos direitos humanos, a liberdade de ir e vir.
            População majoritariamente cristã (85 % se declaram batizados) apenas 2% se diz católicos, mais por medo das habituais perseguições e perdas de oportunidades junto ao partido comunista do que pela própria fé. Os católicos da ilha dos irmãos Castro sempre se sentiram acuados dentro do sistema. Foi a partir da publicação do livro “Fidel e a Religião” (1985) – uma longa entrevista que o ditador cubano deu ao brasileiro Frei Beto e que vendou mais de um milhão de exemplares – que o católico cubano começou a perceber que poderia ganhar liberdade para professar sua fé. Em 1998 o papa João Paulo II visitou a ilha e solidificou um pouco mais a liberdade religiosa. Em 2012 o papa Bento XVI repetiu a visita, conseguindo então que se restaurassem as datas de Natal e Páscoa como festas religiosas, ampliando significativamente o diálogo entre o Estado cubano e a Sé católica.
            Desde então, já com a transmissão de cargo entre os irmãos, muitas das flexibilizações implantadas pelo novo dirigente deram sinais de possibilidades de diálogo mais amplo com o mundo. Nesse hiato de novas esperanças é que entrou a carismática figura do papa Francisco, trocando e-mails entre Obama e Raúl e forçando um diálogo à luz das práticas cristãs. Quebraram-se as resistências e o próprio Vaticano ofereceu seus salões para acordos mais concretos. Tudo muito bem pensado e planejado de forma a não melindrar opções políticas. À Igreja interessava tão somente a alma do povo cubano, sua fé, sua gente... As relações se costuravam com o cheiro de vela e muitas orações. Especialmente com a força transformadora do Evangelho, fonte de todo consenso que se busque neste mundão de Deus. “Buscai e achareis!”
            Então o milagre acontece. Nada mais significativo neste momento histórico do que aqui registrar as palavras do cardeal cubano Jaime Ortega, um autêntico sobrevivente desses anos de chumbo – que até cortador de cana um dia foi – e que hoje dirige a sofrida igreja daquela ilha: “Como católicos cubanos, estamos muito orgulhosos da posição firme do papa de, como bom pastor, reconciliar o que estava dividido, como manda o Senhor”.
            Vamos acreditar. Afinal, como bem afirmou o presidente Obama: “Somos todos americanos”. Somos todos membros de um mundo novo, sem grandes rancores inter-raciais, sem radicalismos religiosos e predominantemente cristãos.  Um continente povoado por todos os povos do mundo, onde o encontro maior e mais representativo se deu à luz de novas esperanças e oportunidades. Aqui a humanidade descobriu suas maiores virtudes, o diálogo, a tolerância, o respeito mútuo. Divisões entre nós não tem sentido. Ou, como recorda uma anedota assaz pertinente: Fidel e Guevara descansam numa praia cubana, contemplando o horizonte e refletindo sobre seus feitos. Um deles interroga: “Será que um dia Cuba vai reatar suas relações com os EUA?” Ao que o outro responde com ironia, sem muito pensar: “Só quando o papa for argentino e o presidente americano for um negro”. Dito e feito.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br


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