A ARCA DO FIM DO MUNDO
Da Noruega vem o bacalhau. E seu cheiro também. Agradável para alguns, horrível para outros. Da Noruega vem a notícia: está pronta a arca do fim do mundo! Cheirando a bacalhau (o sabor da santa semana), o “homem” agora pode morrer sossegado: suas sementes serão preservadas...
A insaciável genialidade humana acaba de construir um gigantesco cofre no círculo Ártico, para guardar milhões de amostras de sementes. Um projeto de preservação vegetal, “último refúgio das lavouras do mundo”, segundo seu diretor.
E o refúgio do lavrador? Onde será? De nada adiantarão sementes preservadas de uma possível hecatombe mundial, se, após esta, não mais existirem lavradores para cultivá-las. Mais lógico e prudente seria preservar aquele que semeia, que trabalha a terra e seleciona a semente, ou seja, o próprio homem.
Uma das parábolas mais diretamente relacionadas à salvação do mundo também nos fala de sementes. Dizia Jesus que o Reino dos céus se compara à menor delas, ao pequenino grão de mostarda, que quase não distinguimos a olho nu. Pois bem: “é esta a menor de todas as sementes, mas quando cresce, torna-se um arbusto maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos” (Mt 13,32).
Essa excessiva preocupação humana em preservar o que lhe serve como elemento de subsistência, tem seu lado positivo, não se pode negar. Nele está embutido o desejo de eternizar-se, o que também não é de todo mal. Só que nossa eternidade, como indivíduos, será possível somente no aspecto espiritual. Isso muitos ignoram ou fazem vistas grossas, negando ou rejeitando a eternidade oferecida pela generosidade Daquele que tudo criou, até as sementes. Ser eterno soa-lhes como castigo...
Eis o que escreveu o poeta, aquele da cidade das pedras, mas de um coração de carne, sensível a tudo: “Eterno, mas até quando? É esse marulho em nós de um mar profundo. Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos” (Drumond).
Então que se eternize ao menos nossa espécie, conclui os donos da nossa Ciência e Tecnologia. Que se dane o indivíduo! – parecem dizer-nos. Essa triste conclusão se pode tirar das tentativas quase desesperadas que hoje a humanidade faz para salvar sua espécie, seus animais, suas plantas, seu planeta ao menos. “De que adianta salvar a vida, se viermos a perder a alma”? Quem arrisca responder?
O fato é que há muito já se construiu uma arca redentora. E poucos usufruem de sua segurança. Finitos somos biologicamente, mas infinita é a vida humana sob os critérios da fé, cuja guardiã é uma nau indestrutível, inviolável, sobre a qual “nem as portas do Inferno prevalecerão”. Você conhece essa arca? A Igreja que somos, a inquebrantável nau que navega sobre águas tempestuosas, mares desconhecidos e traiçoeiros, ventos turbulentos a lhe solapar diuturnamente, a vilipendiar sua estrutura; ela, somente ela um dia aportará em porto seguro, abrir-nos-á suas portas para a Eternidade, o coração de Deus.
Essa mesquinha aspiração humana de salvar-se por méritos próprios, sem a compreensão e aceitação dos mistérios que turvam sua realidade física, é esforço vão. “Quem poderá dizer ao homem o que acontecerá depois dele debaixo do sol”? (Ecle 6,12). Quem poderá subsistir sem a opção pela verdadeira vida, a única que nos acena com promessas de eternidade? Por que por a salvo insignificantes sementes biológicas, quando a salvação do mundo está no segredo de preservarmos nossa semente de vida plena, nosso espírito?
Retomemos o poeta: “Eternos! Eternos, miseravelmente. O relógio no pulso é nosso confidente”.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário