SABER OUVIR E VER
Se há uma condição básica na construção positiva do relacionamento humano, esta se esconde nos meandros do verbo ouvir. Curiosamente, somos privilegiados como única nação do mundo cujo hino nacional começa com esse verbo, que convida a todos a prestarem maiores atenções ao grito do Ipiranga. Nas plácidas margens de um simbólico riacho retumba o clamor maior do heroísmo popular, o brado da liberdade. Ouçam, já ecoa no horizonte o grito de amor e de esperança!
Mas não basta ouvir. É preciso ver. Os raios fúlgidos do hino pátrio também marcam presença como sinais concretos de um sonho que se realiza. Assim na vida. Ouvir e ver são condições mínimas para se atingir um ideal, se o que desejamos é construir relações pessoais que não se percam na placidez do indiferentismo, no isolamento do individualismo. Falo, pois, dos maiores entraves pessoais quando da construção de nossos relacionamentos: pouco ouvimos o outro; pouco vemos da sua realidade.
Saber ouvir requer sensibilidade. Daí que nem sempre estamos aptos a entender os brados de amor, de clemência, de perdão, de alegria, de justiça, de piedade, de tudo mais que possa vir de um coração ao lado, quando nossos caminhos não por acaso se cruzam. Daí a razão das oportunidades perdidas, do isolamento de muitos, da falta de solidariedade e fraternidade, hoje os maiores obstáculos das sociedades conglomeradas. Vivemos em massas sem interação pessoal. Para tanto há o fone de ouvido, o celular de multiuso que nos conecta com o mundo dos nossos interesses, mas nos desconecta com o mundo aos nossos pés. Ouvimos apenas o que nos interessa, quando às vezes uma palavra amiga capaz de transformar nossa existência está ali, ao lado, prestes a explodir em nossos tímpanos se lhe dermos essa possibilidade.
Saber ver requer acuidade. Dos sentidos humanos, esse não é maior; nem menor que a audição, mas complemento perfeito. Leva-nos à consciência do belo, das maravilhas que rodeiam e enfeitam nossa peregrinação, nossa contemplação terrena. Dizem que os olhos são portas da alma, dos sentimentos. Daí que a acuidade também é qualidade da boa visão, como sensibilidade o seria da alma, do coração. Mas, atentem para isso: sem boa acuidade não se pode ouvir e sem boa sensibilidade não se pode ver com clareza tudo de belo e misterioso – tudo de mal e evidente – que a vida possui.
Não por acaso, uma das mais belas conclusões dos discursos cristãos nos apresenta esses dois verbos. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça; quem tem olhos para ver, veja”. O grito de socorro dos cegos de então era único: “Senhor, que nossos olhos se abram!”. Ao surdo-mudo coube a única proibição de Jesus para não divulgar um milagre: “Éfeta”. Ou seja; que seus ouvidos se abram, que sua língua proclame a verdade, não com palavras vazias de um testemunho estéril, mas com a coerência de sua gratidão e visão da graça recebida. Por isso, Cristo o proibiu de fazer publicidade, pois “o que sai da boca do homem, isso é que mancha o homem”. Não basta falar; é preciso, por primeiro, compreender, sentir, viver, ver em tudo a ação de Deus em nossas vidas. “Mas quanto mais lhes proibia, tanto mais o publicavam. E tanto mais se admiravam dizendo: “Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!”.
Quem bem enxerga a ação divina na história humana, não silencia nunca. A proclamação da verdade faz parte da condição cristã. “Quem ouve a palavra, a coloca em prática. Quem me vê, vê ao Pai”. O grito de liberdade plena e total, sufocado na garganta de muitos, só não acontece porque ainda há cristãos que não sabem ouvir e ver.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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