A ÚLTIMA FLOR
Dias destes,
alguém que acompanha meus escritos há anos, teceu um comentário que deixou
dúvidas sobre tratar-se de uma crítica ou elogio. Segundo ele, quem domina,
mesmo que superficialmente, alguns meandros da língua portuguesa, é membro de
uma classe em extinção, ou seja: um dinossauro, um troglodita. Na verdade, o
que mais me incomodou nessa afirmativa, foi seu fundo de verdade: nossa língua
“inculta e bela” respira com dificuldades.
Qualquer
leigo, por mais superficial que seja seu conhecimento literário ou mesmo
gramatical, é capaz de diagnosticar os estertores de morte que assolam nosso
linguajar e nossa arte da escrita. Se por um lado me considero um privilegiado,
pela sorte de, na escola, travar contacto mesmo que superficial com declinações
e máximas latinas, por outro a triste realidade do atual ensino brasileiro nos
mostra que sequer os clássicos da nossa própria literatura são apresentados às
nossas crianças. Tive a oportunidade,
recentemente, de falar sobre o assunto a uma classe de alunos secundários da
rede estadual de ensino. Qual a última leitura daquelas crianças? A moreninha?
Meu pé de Laranja Lima? O Tronco de Ipê? Dom Casmurro? O Guarani? Qual?
Com
muita insistência de minha parte, um aluno mais corajoso quebrou o silêncio.
Havia lido A Turma da Mônica, um gibi. Esse é nosso ensino, que deixa de lado
maravilhas da literatura nacional ou mesmo universal, porque nossos alunos
sequer dominam o abecedário e até mesmo muitos professores desconhecem qualquer
desses clássicos.
Por
outro lado, a invasão de termos estranhos à língua, por força de um mercado
globalizado, põe em risco a pureza da “última flor do Lácio”, referência do
poeta Olavo Bilac ao fato do português ter sido a última das línguas latinas
com origem na cidade de Lácio, cidade européia na qual se falou o latim. Não
serei ingênuo a ponto de acreditar nessa pureza intocável e perene, pois
qualquer que seja o idioma respira, se nutre, se enriquece e admite mudanças
externas. Vive e morre. Ontem primava pelas conjugações irretocáveis, pelas
rimas e métricas, “arrolo da saudade e da ternura”, cuja linguagem nativa e
escravagista aceitou e encampou naturalmente. Hoje dança entre los hermanos do
sul, oeste e norte e a força do anglicanismo mercantilista, a influenciar todos
os povos com seus tentáculos de dominação made in USA.
Por
essa e outras, um mínimo de amor próprio à língua que falamos é, antes, apego à
nossa identidade mais intrínseca, nossa origem. O mais precioso bem de um ser
humano é seu amor ao berço, orgulho pessoal que nos insere num mundo de
interesses e conflitos díspares, mas deixa em cada indivíduo um ponto de
referência, um norte, um rumo. Ou, como nos disse o poeta, o indivíduo e a
linguagem são unos. “És, a um tempo, esplendor e sepultura”. As idéias
permanecem, apesar da morte. “Ouro nativo, que na ganga impura a bruta mina
entre os cascalhos vela”. O valor humano não é sua produtividade, seu ganho
sobre a impureza material. A riqueza maior brota do interior, da sua fala, da
linguagem que domina com o coração.
E o poeta maior, o verbo feito carne, deixaria
escapar: “O que purifica o homem não é o que entra, mas o que sai de sua boca”.
Aqui caem por terra apegos em demasia ao vernáculo, às tradições culturais ou
religiosas, às leis e aos limites demográficos, para fazer valer uma única
promessa: Não importa seu idioma, o que vale é a mensagem de amor que ele possa
oferecer ao mundo. Mas, para tanto, precisamos deixar nosso lado troglodita de
interpretações de texto, para ouvir com mais clareza a linguagem universal do
Amor. Esse qualquer coração é capaz de entender.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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