PARA ONDE VAIS?
Quem
chega ao Vaticano pela primeira vez é logo atraído pelo desejo de visitar o
túmulo do apóstolo Paulo. Se lhe for possível esse privilégio, terá à frente
uma lápide bem gasta pelo tempo, onde ainda se pode ler uma inscrição latina
quase imperceptível aos olhos: Quo vadis? Ali, segundo a tradição, repousa “a
pedra” sobre a qual, literalmente, Cristo construiu sua Igreja.
Mas
a história que circunda a mais emblemática pergunta da fé cristã continua a
fazer eco em muitos corações de pedra: Para onde vais? Quando o imperador Nero
desencadeou a mais sangrenta perseguição aos cristãos, depois do incêndio
criminoso de Roma em 64 D.C., quase alcançou êxito em seu objetivo de
exterminá-los da face da Terra. Enquanto milhares morriam no Circo de Nero (que
ocupava uma das colinas dos arredores de Roma, conhecida como Colina do
Vaticano) milhares de convertidos se deixavam batizar por Pedro nas catacumbas
circunvizinhas. O sangue dos mártires era sempre semente fecunda de novos
cristãos.
Um
dia, depois de acirrada perseguição, os poucos cristãos ainda livres, sentiram
que a vida de Pedro corria perigo. Aconselharam-no a fugir, pois seu apostolado
seria importante em outras regiões, onde a Verdade de Cristo poderia sobreviver
sem tantas humilhações quanto as que sofriam em Roma. Com muita
relutância, Pedro cedeu. Na madrugada seguinte, acompanhado por um jovem
cristão, mal iniciou sua fuga e viu diante de si o Cristo e sua cruz. As
sombras da muralha do grande circo não encobriram o assombro de sua fisionomia
sofredora, mas a pergunta surgiu instantaneamente: “Quo vadis, Domine?” Nada
envergonharia mais o apóstolo do que aquela resposta sucinta e lógica: “Vou a
Roma, para ser crucificado novamente”.
Compreendeu
Pedro que sua missão estava ali, que nada justificaria sua fuga, que seu
martírio seria o exemplo mais contumaz para atrair novos cristãos, que a
“cidade de Deus” deveria renascer das cinzas daquela cidade pagã. Ali seria seu
lugar, ali plantaria os fundamentos da Igreja desejada por Cristo!
Curiosamente,
Vaticano, o monte onde milhares de cristãos deram a vida em nome da fé, tinha
uma etimologia que lembrava um deus etrusco, significando “aquele que abre a
boca às crianças, para proferirem os primeiros sons”. No seu circo, durante os espetáculos, um só som se ouvia na
boca dos perseguidos: Jesus! Pedro prosseguiu em sua missão “no covil das
feras”, proclamando com mais destemor a verdade que movia sua existência, até
ser preso e condenado. Não aceitou ser crucificado como Cristo – não era digno
de tamanha honra – mas de cabeça pra baixo. Foi um dos últimos a servir de
espetáculo naquela colina outrora símbolo das maiores depravações humanas.
As
muralhas do grande circo ruíram por completo. Dele, hoje, só nos resta o
obelisco de granito roubado por Calígula para decorar o centro do grande
picadeiro. Tornou-se marco da grande praça, onde hoje o mundo todo encontra
refúgio para renovar sua fé. Pedro morreu ali. Pedro repousa ao lado. Sua
cátedra de fé e esperança subsiste a dois mil anos, em meio a tantas
contradições e violações aos mais sagrados direitos que a dignidade humana
ainda exige. O circo de Roma encerrou seus espetáculos para ceder espaço a um
projeto mais sério e promissor, os fundamentos da fé cristã. Por isso, o nome
“Vaticano” não é uma denominação vazia de sentido, de história, de tradição e
projeto divinos... Antes, nasce da boca de um pregador destemido, que
compreendeu como ninguém onde deveria estar e como deveria agir em nome de
Cristo. Diria: “Achegai-vos a ele, pedra viva que os homens rejeitaram, mas
escolhida e preciosa aos olhos de Deus; e quais outras pedras vivas, vós também
vos tornais os materiais deste edifício espiritual”... (1 Ped 2,4,5).
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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