domingo, 13 de janeiro de 2013

PARA ONDE VAIS?


PARA ONDE VAIS?

            Quem chega ao Vaticano pela primeira vez é logo atraído pelo desejo de visitar o túmulo do apóstolo Paulo. Se lhe for possível esse privilégio, terá à frente uma lápide bem gasta pelo tempo, onde ainda se pode ler uma inscrição latina quase imperceptível aos olhos: Quo vadis? Ali, segundo a tradição, repousa “a pedra” sobre a qual, literalmente, Cristo construiu sua Igreja.

            Mas a história que circunda a mais emblemática pergunta da fé cristã continua a fazer eco em muitos corações de pedra: Para onde vais? Quando o imperador Nero desencadeou a mais sangrenta perseguição aos cristãos, depois do incêndio criminoso de Roma em 64 D.C., quase alcançou êxito em seu objetivo de exterminá-los da face da Terra. Enquanto milhares morriam no Circo de Nero (que ocupava uma das colinas dos arredores de Roma, conhecida como Colina do Vaticano) milhares de convertidos se deixavam batizar por Pedro nas catacumbas circunvizinhas. O sangue dos mártires era sempre semente fecunda de novos cristãos.

            Um dia, depois de acirrada perseguição, os poucos cristãos ainda livres, sentiram que a vida de Pedro corria perigo. Aconselharam-no a fugir, pois seu apostolado seria importante em outras regiões, onde a Verdade de Cristo poderia sobreviver sem tantas humilhações quanto as que sofriam em Roma. Com muita relutância, Pedro cedeu. Na madrugada seguinte, acompanhado por um jovem cristão, mal iniciou sua fuga e viu diante de si o Cristo e sua cruz. As sombras da muralha do grande circo não encobriram o assombro de sua fisionomia sofredora, mas a pergunta surgiu instantaneamente: “Quo vadis, Domine?” Nada envergonharia mais o apóstolo do que aquela resposta sucinta e lógica: “Vou a Roma, para ser crucificado novamente”.

            Compreendeu Pedro que sua missão estava ali, que nada justificaria sua fuga, que seu martírio seria o exemplo mais contumaz para atrair novos cristãos, que a “cidade de Deus” deveria renascer das cinzas daquela cidade pagã. Ali seria seu lugar, ali plantaria os fundamentos da Igreja desejada por Cristo!

            Curiosamente, Vaticano, o monte onde milhares de cristãos deram a vida em nome da fé, tinha uma etimologia que lembrava um deus etrusco, significando “aquele que abre a boca às crianças, para proferirem os primeiros sons”.        No seu circo, durante os espetáculos, um só som se ouvia na boca dos perseguidos: Jesus! Pedro prosseguiu em sua missão “no covil das feras”, proclamando com mais destemor a verdade que movia sua existência, até ser preso e condenado. Não aceitou ser crucificado como Cristo – não era digno de tamanha honra – mas de cabeça pra baixo. Foi um dos últimos a servir de espetáculo naquela colina outrora símbolo das maiores depravações humanas.

            As muralhas do grande circo ruíram por completo. Dele, hoje, só nos resta o obelisco de granito roubado por Calígula para decorar o centro do grande picadeiro. Tornou-se marco da grande praça, onde hoje o mundo todo encontra refúgio para renovar sua fé. Pedro morreu ali. Pedro repousa ao lado. Sua cátedra de fé e esperança subsiste a dois mil anos, em meio a tantas contradições e violações aos mais sagrados direitos que a dignidade humana ainda exige. O circo de Roma encerrou seus espetáculos para ceder espaço a um projeto mais sério e promissor, os fundamentos da fé cristã. Por isso, o nome “Vaticano” não é uma denominação vazia de sentido, de história, de tradição e projeto divinos... Antes, nasce da boca de um pregador destemido, que compreendeu como ninguém onde deveria estar e como deveria agir em nome de Cristo. Diria: “Achegai-vos a ele, pedra viva que os homens rejeitaram, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus; e quais outras pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste edifício espiritual”... (1 Ped 2,4,5).

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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