A CADEIRA VAZIA
Reportar aqui a
imagem de uma cadeira vazia na sala onde muitos se alimentam cotidianamente é
mais que uma figura de retórica; é uma cena de muitas recordações. “A saudade
dele está doendo em mim”, diria nossa canção popular. Porém mais que a mente
ocupada por simples saudosismo, deveríamos contemplar esse período de “sé
vacante” como momento de expectativa e esperanças renovadas.
É
fato: falta algo naquela mesa. A sala onde Cristo ocupou lugar de destaque, em
conluio santo com seus apóstolos, tinha como ponto de unidade uma mesa e sua
cátedra, donde emanaram as grandes lições herdadas pela Igreja ali nascente. A
mesma sala foi testemunha da presença viva do Cristo Ressuscitado e da
manifestação posterior do Espírito Santo, que a tradição apostólica descreveu
como línguas de fogo sobre cada um dos presentes. Daquele primeiro conclave
despontou a figura de Pedro como merecedor de ocupar a cadeira vazia deixada
por Cristo.
“Aqui
podemos mencionar o que é a igreja – não uma organização, não uma associação para
finalidades religiosas ou humanitárias, mas um organismo vivo, uma comunidade
de irmãos e de irmãs no corpo de Jesus Cristo, que nos une a todos” – disse
Bento XVI momentos antes de deixar vazia sua cátedra. Saiu de cena “para que
outro cresça” na sagrada função de continuar servindo e partilhando com novo
ardor as sagradas espécies do pão da vida embebido no sangue da redenção. O
simbolismo dessa sala, com sua mesa de partilhas e restauração de forças,
continua bem vivo no seio da Igreja, onde a cátedra destinada aos guardiões da
tradição apostólica deixa de ser um mero objeto, inanimado, simbólico, para ser
de fato um organismo que se perpetua no seio de uma Igreja-viva. Igreja muito
além de mera instituição. Igreja una e santa!
Mas,
para penetrar nesse mistério de proeminência espiritual, quando o que vemos é a
realidade temporal de uma instituição como qualquer outra, só mesmo tomando
parte de suas lutas, dilemas, aspirações e diretrizes mais. Quem está fora
dificilmente entenderá ou aceitará o mistério da Igreja como corpo vivo de um
Cristo dinâmico e atuante através de seus membros. “Não sabeis que vossos
corpos são membros de Cristo?”, disse em alto e bom som Paulo aos Coríntios,
para lhes ensinar quão grande e misterioso é o projeto divino para sua Igreja
no mundo. Aqui mora o problema. Para muitos dos críticos à ação evangelizadora,
a Igreja não coaduna sua prática com a doutrina, visto que muitos dos seus
adeptos vivem contraditoriamente. Estes só vêem o que olhos mortais são capazes
de enxergar. Não enxergam com a pureza do coração; só da malícia que corrói
suas almas.
O
mesmo Paulo já alertava: “Tomareis, então, os membros de Cristo, e os fareis
membros de uma prostituta?... E afirmaria com veemência: “Pelo contrário, quem
se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito”. É clara essa verdade. Apesar
da santidade e da pureza de ações desejada por Cristo para sua Igreja, eis que
seu lado humano também se manifesta, para deleite dos incrédulos. Vou pelo
caminho das contradições de Emaús. Lá o caos era fato, tangente, a cadeira era
uma cruz vazia. Mas, tão logo Cristo se sentou à mesa e partilhou o pão... seus
olhos se abriram e tudo compreenderam... “És tu, Mestre”!
Essa
é a identidade do verdadeiro cristão: a partilha. Enquanto houver no mundo uma
simples mesa, enquanto nessa mesa houver lugar para uma cadeira nunca vacante,
mas destinada ao Mestre, enquanto soubermos ouvir e respeitar os ensinamentos
que emanam dessa cátedra de fé, eis que os caminhos da nossa peregrinação ainda
nos conduzirão a Jerusalém, aquela que uniu terra e céu com a chave misteriosa
da cruz cristã. Porque só esta nos abrirá os salões do trono celestial. “Porque
fostes comprados por um grande preço”, a cruz momentaneamente vazia... e o
túmulo também!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário