BAGUNÇANDO O CORETO
Manhã
de Pentecostes. Saio da minha Igreja com um novo olhar sobre o mundo. À
esquerda da praça contemplo o velho coreto, onde muitas vezes assisti à
apresentação da “Furiosa”, a bandinha municipal que homenageava Santa Cecília
com suas retretas e marchinhas encantadoras. Sou capaz de ainda ver a folia da
garotada ao redor do coreto, dançando, cantando, empunhando balões coloridos e
mordiscando suas pipocas... E o maestro ali, fiel, imponente, a comandar seus
músicos!
De
repente, associo tudo ao sermão do dia: O Espírito Santo veio para bagunçar.
Heresia minha? Creio que não. “De repente, veio do céu um barulho como se fosse
uma forte ventania”. A bandinha engrandeceu seus sons, o maestro agitou sua
vara de condão, e, como num passe de mágica, “todos ficaram cheios do Espírito
Santo”. A alegria foi geral. Todos se entendiam ao ritmo de uma harmonia geral.
A praça era maior que o mundo, que os problemas, que a doença, que os
conflitos, que a insegurança das ruas, que os limites e as barreiras. Tudo era
festa. Tudo era alegria. “Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão”. Já
não só as crianças, mas adultos e idosos, doentes e sãos, cegos e surdos, “cada
qual os ouvia em sua própria língua”; todos se deleitavam ao som de uma
musicalidade que penetrava alma e coração...
Aquele
coreto já não era o mesmo. Era o mundo! A Sabedoria
impregnava a alma do povo ao ritmo de um novo som, um vento tempestuoso, uma
brisa refrescante. Era preciso aceitar aquela nova mística de que a verdadeira
sabedoria buscava a compreensão de um mistério maior, a musicalidade do
coração. Então todos aplaudiam a graça desse Entendimento, a compreensão de que ao som do sopro divino ampliamos
nossas faculdades mentais e conseguimos saborear um pouco dos mistérios celestes.
Mesmo assim, há limites nos passos de uma dança. A prudência nos ensina a
disciplina e um bom Conselho do
Maestro Divino, Jesus, ainda ecoa em nossos ouvidos: “Pois onde estiver o vosso
tesouro, ali estará também o vosso coração”. Ouçamos seus conselhos, se não
quisermos errar o passo. O bom dançarino se fortalece e busca a perfeição em
exercícios diários. Por isso, o dom da Fortaleza
é princípio de perfeição, que nos imuniza de eventuais fracassos.
Nada
porém, se compara ao dom da Ciência,
aquele que nos fez ouvir com outros ouvidos os sons da vida; compreender com
outro coração os mistérios da fé, enxergar com olhos translúcidos a poesia do
mundo. “Eu sou o bom pastor, conheço minhas ovelhas e elas me conhecem”. Nessa
relação de intimidade e mútuo conhecimento nos tornamos doutores na Ciência de
Deus. Mas o burburinho da praça humana às vezes nos desvia da musicalidade no
ar. “Esses homens que estão falando não são todos galileus?” Quem é este para
nos falar assim, para nos dar lições, para nos apontar outros caminhos? Quem
somos nós, meros figurantes de uma praça em burburinho, um mundo de fantasias e
ilusões? Eis então que nos deparamos com o dom da Piedade. Não haveria harmonia, nem música no ar, nem alegria, nem
poesia, nem esperança, se o maestro da banda não fosse fiel aos seus pupilos e
não lhes ensinasse piamente. “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e,
fechada a porta, ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te
dará a recompensa” (Mt 6,6).
Só
então percebo que a bandinha “Furiosa” não existe mais. O coreto há muito é
apenas um enfeite, um trambolho de nostalgia. No “meu” coreto interior, o
Espírito Santo ainda bagunça, ainda faz suas retretas, marchas nupciais e às
vezes fúnebres... De gáudio, quando acerto meu ritmo com a vontade de Deus e de
tristeza quando tropeço em alguma nota, perco o compasso do Maestro. Mas uma
certeza me resta: os sons de Pentecostes continuam a me alimentar o grande dom
de respeito e Temor de Deus, esse que
bagunçou por completo o coreto das minhas dores e tribulações.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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