domingo, 18 de janeiro de 2015

FÉ A BALA E FOGO
            Pobres criaturas humanas que já não enxergam um palmo à frente de sua própria podridão! A putrefação do que tínhamos de mais precioso como bem coletivo, que lapidamos suada e pacientemente como jóia do mais alto quilate e que nossa história modulou ao custo de vários milênios de encontros e desencontros, descobertas e experienciais pessoais ou coletivas, vai aos poucos tornando irrespirável a atmosfera da esperança humana. Falo da fé, o mais puro e revigorante oxigênio capaz de fornecer vida nova às combalidas relações entre povos e raças, filosofias e correntes religiosas que borbulham desde sempre no seio das civilizações. “Je suis”. Eu sou, sempre fui, sempre serei. Ou, na tradição religiosa “Eu sou aquele que é”...
            A fé de muitos está abalada pela metralhadora do fanatismo. Não, não digo religioso, pois fanatismo e religião não se combinam, não se coadunam como termo único, não se conjugam e nem se podem misturar. Um é água, outro óleo. Fé, ou se tem e se pratica, ou não passa de uma teoria obscura, cuja visão superficial é mais perigosa que a ogiva de muitas bombas. O que estamos assistindo não é um mero filme de terror, mas pura e simplesmente consequência de uma omissão mundial. O homem esquece suas origens. A humanidade se envergonha em admitir suas crenças. Deus e seus ensinamentos tornam-se dejetos, lixos do passado. Então a violência, o fanatismo, toda e qualquer manifestação de sectarismo racial ou religioso é culpa única e exclusiva da fé que se professa? Não cito esta ou aquela religião, este ou aquele seguimento espiritualista, filosófico ou cultural. Antes, é preciso lembrar que as maiores correntes religiosas do mundo têm em comum a crença num Deus único, criador de tudo. Nesse ponto está a contradição: por que nos destruirmos se somos herdeiros de uma fé única?
            “Je suis”, bradam os franceses clamando pela liberdade de expressar o que pensam. Separam, semanticamente, o “eu” do ato de “existir”, ser alguém em meio a tantos que diferentemente olham o mesmo céu, reconhecem o mesmo Deus. Se unissem o grito das ruas com a realidade da fé, talvez pudessem melhor compreender as palavras daquele que um dia se deixou batizar como “Jesus”, o mestre cristão. “Eu sou o pão que desci dos céus”. Eu sou. Defender ou não uma corrente do pensamento humano, seja liberal ou radical, nunca foi preocupação de Jesus, mas antes exaltou com veemência sua origem e propósito de vida: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6,44). E, mais adiante, concluiu: “E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6, 51). Ou seja, a fé é atração, magnetismo divino, que só cresce quando alimentada pela palavra, aquela que dá a vida se preciso for, mas não entrega os pontos diante das ameaças contra sua integridade. O limite das nossas crenças é a liberdade de um e de outro, a caridade recíproca.
            As religiões nos ensinam um princípio: fé, esperança e caridade. Nesse pedestal de virtudes está o denominador comum que desqualifica qualquer ato radical em nome de uma crença. Defender qualquer corrente do pensamento humano com unhas e dentes, balas e canhões, é próprio da irracionalidade animal. Estes, sim, defendem seus territórios e suas rações com as armas próprias de sua natureza sempre em guerra pela sobrevivência. Já à raça que se diz pensante, que percebe sua insignificância diante de um universo ainda por descobrir e que sente suas angústias se agigantarem quando longe do amparo divino, nada justifica a falta de racionalidade. Um único caminho nos resta: clamar pela piedade de Deus. “Senhor, aumente a nossa fé! Senhor, que o mundo não perca a esperança! Senhor, que a caridade seja identidade entre irmãos, entre iguais na esperança e na fé que nos nutre! Liberdade, igualdade, fraternidade!
            A única chama que justifica a fé humana é o fogo do Espírito Santo. “Mas como eu desejaria que ele já estivesse acesso!” – exclama ainda Jesus.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br



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