ESCRAVOS DE JALECO?
É preciso um
olhar imparcial sobre a história, para descobrir fatos reincidentes.
Especialmente aqueles que a mancham de vermelho e turvam suas arestas,
mesclando passado e presente com a negritude de vergonhosos episódios. Ainda
não é de todo cicatrizada a ferida da escravidão no Brasil e eis que a história
se repete. Embalada sempre pela necessidade de mão de obra barata, buscamos nas
nações empobrecidas ou circunstancialmente abaladas por cataclismos políticos,
sociais ou mesmo naturais, a resposta que queremos para nossos próprios
problemas. Foi assim no período da escravidão, tanto africana, quanto indígena.
Foi assim na imigração italiana, japonesa e outras mais. Está sendo assim na
invasão de haitianos e bolivianos, aqui explorados nos muitos canteiros
imobiliários como mão de obra barata ou nas tecelagens clandestinas que grassam
nas grandes cidades. Será assim com os médicos cubanos.
Nada
contra a tentativa governamental de dar uma resposta ao déficit de médicos
neste país. Mas essa tentativa vem tardiamente. Há muito o povo brasileiro
grita por maiores atenções nesta área. Acuada agora pelo clamor das ruas, a
liderança política tenta uma solução na base do improviso. Então, o absurdo
acontece. Senão, vejamos...
Um
país que se diz democrático, que brande sua constituição como bíblia sagrada e
de respeito de todos, que se ufana dos mecanismos jurídicos e trabalhistas como
esteios de uma justiça social sempre a caminho, não poderia – e nunca – abraçar
uma situação vergonhosamente contrária a todos esses princípios. Mais ainda uma
nação que se diz cristã. Subsidiar um regime totalitarista às custas de uma
classe indefesa e claramente formada como baluarte de um desenvolvimento
forjado pelas circunstâncias – como o são os médicos cubanos – é dar aval a
tudo de anti-democrático que se processa
naquela ilha. O absurdo maior é não reconhecer direitos individuais, colocando
um governo como objeto de negociação e gerenciamento do trabalho alheio. Fica
claro isso na petulância de saldar essa dívida diretamente com o governo
comunista, ao peso de dez mil reais por “cabeça”, que naquele país
tradicionalmente é remunerado com, quando muito, quinhentos reais. Traduzindo:
95% será a fatia daquele governo sobre um contrato que poderá chegar a R$ 40
milhões mensalmente.
Vemos
a ponta de um iceberg. Há também o fator familiar, colocado a escanteio e
utilizado como âncora para se evitar deserções. Isso mesmo: nenhum deles poderá
trazer suas famílias, em especial esposa e filhos, que serão assistidas (para
não dizer vigiadas) pelo governo cubano. Qualquer deslize ou tentativa de fuga,
o partido comunista saberá muito bem como agir... Em outras palavras, essa
fonte de renda de um regime cerceado por inúmeros embargos, estende uma das
mãos, mas esconde a outra.
Como fica a legislação brasileira perante tudo
isso? A lei trabalhista, o piso salarial da categoria, a reserva de mercado, o
incentivo aos nossos estudantes de medicina, nossas bolsas de pesquisas?...
Como fica nossa soberania? E nossos preceitos familiares, religiosos,
culturais, que ainda prezam a convivência familiar, os direitos individuais, os
princípios da liberdade? O bicho vai pegar. “Conselhos de medicina rotularam de
“ilegal” a atuação dos cubanos e prometem chamar a polícia quando eles
começarem a trabalhar”, afirma a FSP.
Tirando
todas as questões políticas da situação, tento aqui uma mensagem cristã. Olhemos
os dois lados. Disse o médico Nélson, um dos primeiros a chegar: “Nós somos
médicos por vocação, não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi
solicitada”. Como gostaria de acreditar nisso! Porque se for essa a motivação,
estamos recebendo verdadeiros missionários da fé cristã. Essa que nos ensina:
“Trabalhai, não pelo dinheiro, mas por tudo que gera para a eternidade”. Ou,
como bem registrou outro médico, em seu evangelho: “Não podeis servir a Deus e
ao Dinheiro” (Lc 16,13).
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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