O BEIJO DE JUDAS
A mais antiga e
curiosa expressão de cumplicidade, fraternidade, intimidade e comunhão de
ideias ou mesmo devoção religiosa é o beijo humano. Na antiga Suméria, era
costume jogar beijos às nuvens, como sinal de respeito e fé nos deuses desconhecidos.
Na Idade Média (Séc XV), um beijo na boca era como um compromisso de honra,
entre os senhores feudais, que equivalia a uma assinatura de contrato. No
princípio do cristianismo, o beijo identificava os irmãos de fé e equivalia a
uma saudação de paz. Aos poucos, o beijo desceu para os pés, veio às mãos e
depois foi substituído pelo simples abraço da paz ou mero aperto de mãos. Já os
muçulmanos ainda mantêm a tradição de um beijo no rosto, um simples e
inofensivo beijo...
Curiosa
ou não, a história do beijo sempre acompanhou uso, costumes e tradições de toda
e qualquer cultura. Na Bíblia, desde as primeiras páginas, o beijo esteve
presente. O primeiro deles foi divino: “O Senhor Deus inspirou-lhe nas narinas
um sopro de vida” (Gen 2,7). A vida não passa de um beijo do Criador.
Já
o primeiro beijo de amor entre humanos tem, no mínimo, quatro mil anos. Jacó se
apaixonou por Raquel, sua prima, ao vê-la conduzindo o rebanho de seu pai
Labão. Amor à primeira vista. Correu a ajudá-la na tarefa de dar água às
ovelhas, apresentou-se como seu parente e a abraçou. “Depois beijou Raquel e
pôs-se a chorar” (Gen 29, 11). Porém, para esposá-la, foi obrigado a trabalhar
como escravo durante sete anos, sucedidos por mais sete, por trapaça de seu
sogro. Ah, tempos difíceis!
Mas,
se o beijo precede um júbilo da alma, o livro bíblico que maior poesia empresta
a essa atitude dos enamorados é, sem dúvidas, o Cântico dos Cânticos. E vai
direto ao assunto: “Ah! Beija-me com os beijos de tua boca! Porque os teus
amores são mais deliciosos que o vinho” (Can 1,2). Já o livro de Provérbios
apela para a autenticidade e pureza dos sentimentos: “Dá um beijo nos lábios
aquele que responde com sinceridade” (Prov 24,26). Sem a verdade de um sentimento santo, puro e
claro diante dos laços de vida abençoados por Deus, o beijo deixa de ser um
selo divino, “um sopro de vida”, para se tornar uma profanação ao que era
sagrado e fonte de vida.
Jonatas
e Davi eram amigos. Amizade autêntica, sem pretensões que não fossem as de uma
convivência fraterna. Um dia tiveram que se separar, se quisessem continuar
vivos. Beijaram-se mutuamente, chorando e partiram clamando as bênçãos de Deus
(1 Sam 20,41). O amor filial também se
expressava com beijos. Eliseu, antes de qualquer empreitada, ia beijar seus
pais “Deixa ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei” (1Reis, 19,20).
É ainda expressão de fraternidade. Quando Paulo se despediu da comunidade de
Éfeso, o povo se pôs de joelho em oração por ele. Depois derramaram lágrimas e
lançaram-se ao pescoço de Paulo para abraçá-lo e beijá-lo. Retribuiu a todos
com uma máxima: “É maior felicidade dar que receber!” (At 20,35).
De
todas as formulações e motivações proporcionadas por um simples beijo, não há
outra mais expressiva do que aquela que promove a reconciliação. Seja entre
esposos, filhos ou amigos, seja no seio de uma comunidade ou mesmo no campo
restrito da individualidade, a reconciliação sempre se sela com um beijo. O
Filho Pródigo nos diz tudo: “Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava
ainda longe, quando seu pai o viu, e, movido por compaixão, correu-lhe ao
encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou” (Lc 15,20). Detalhe: a
iniciativa do perdão foi paterna; é sempre divina.
Muitos
hoje aplaudem o beijo de Judas. Seu preço foi irrisório: trinta moedas. Com
elas se comprou um cemitério... Com elas se vendeu a redenção. Esse é o custo
de uma encenação barata, torpe, que nada possui de construtivo ou apenas dá
cores às ilusões da alma sem o sopro divino. O que se esconde por traz de um
beijo abençoado é a pureza das relações humanas. Fora disso, alguns palmos
abaixo se enterram as ilusões.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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