segunda-feira, 10 de março de 2014

RENASCER DAS CINZAS

RENASCER DAS CINZAS
            Mitologia é a ciência de uma necessidade humana, o divino. Quando distante do verdadeiro Deus, o ser humano constrói para si uma idéia ou mesmo uma farsa da realidade divina. Assim, na mitologia grega ou romana, além de tantas aberrações idólatras, temos a lenda da Fênix, uma ave que vivia quinhentos anos e depois se sacrificava numa pira para ressurgir das próprias cinzas. Seu auto sacrifício acenava para o mistério do Sol que “morre em chamas toda tarde para ressurgir na manhã seguinte”.
            Apesar da infantilidade pagã, a crença mitológica nos oferece lições. Ressurgir, renascer, renovar-se dia a dia é a maior delas. “Tu és pó e ao pó voltarás”, nos ensina a fé cristã. Ora, como transportar para nossa crença e fugacidade da vida terrena a história dessa ave, que seria capaz de “transportar um elefante” e se perpetuar em sucessivas gerações? Embutido nesta fantasia e quase carência humana de perpetuação da própria espécie, está o centro da fé que professamos, ou seja, o cristão também é uma fênix, que ressurge de sua insignificância carnal para se perpetuar no espírito. Eis o mistério que nos motiva!
            Ora, entre a mitologia e a fé genuína está a realidade. A natureza nos ensina muito mais, posto ser esta o referencial visível da vida biológica. Para ultrapassar essa realidade, só com o olhar da fé. Pois então, aqui vai uma lição das maravilhas da natureza. As aves capazes de altos voos possuem uma capacidade visual que lhes proporciona não só a distinção de pequenas caças, como também a faculdade de “nictitar”, ou seja, descansar a visão e poupá-la da contemplação de coisas inúteis. Essas aves possuem uma segunda membrana nos olhos, que lhes proporciona uma visão aguçada, porém mais concentrada nos seus objetivos. Essa sub pálpebra funciona como uma lente de descanso, que filtra os raios solares e apura a visão apenas para o que de fato lhes interessa.
            Eis o que nos interessa agora. A fé cristã transporta mais que um elefante, transporta montanhas... Ressurge das cinzas de nossas limitações físicas e se renova a cada por do Sol – “a cada dia bastam suas preocupações” – na esperança que motivou a perseverança dos apóstolos – “para onde iremos nós, se só tu tens palavras de vida eterna?” – pois o questionamento de Pedro é nossa única motivação. A perseverança nessa doutrina é a visão de um objetivo além da realidade biológica, que ressurge das limitações terrenas para se glorificar no mistério da ressurreição, a maior das promessas da doutrina cristã.
            “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1Cor 15,14). A preocupação do apóstolo era deixar evidente todo seu esforço de vida missionária baseada unicamente na certeza da ressurreição. Sem esta, perdia seu tempo. Diria mais adiante: “Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus levará com Jesus os que nele morreram” (1 Tess 4,14). Essa é a visão cristalina da fé, única motivação que de fato nos interessa, para continuarmos nossos voos pela vida, na esperança de um dia também ressurgimos das cinzas de nossas incertezas e recobrarmos a vida plena em Deus.
            Por ora, façamos um esforço mínimo de renovação. Podemos fazer. Devemos fazer. A liturgia do tempo quaresmal se estende ao nosso dia a dia e nos dá oportunidade de vencer a morte dos pecados cotidianos, das limitações físicas, das incertezas espirituais, da insegurança na fé, do desanimo, da incompreensão... Seja também uma fênix! Seja uma ave de altos voos, de visão aguçada pelo espírito, pelo objetivo que só a pureza de uma fé genuína é capaz de nos dar. Assim - como Jesus - também colocaremos nossas vidas sobre a pira ardente de um holocausto divino.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br



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