RENASCER DAS CINZAS
Mitologia
é a ciência de uma necessidade humana, o divino. Quando distante do verdadeiro
Deus, o ser humano constrói para si uma idéia ou mesmo uma farsa da realidade
divina. Assim, na mitologia grega ou romana, além de tantas aberrações
idólatras, temos a lenda da Fênix, uma ave que vivia quinhentos anos e depois
se sacrificava numa pira para ressurgir das próprias cinzas. Seu auto
sacrifício acenava para o mistério do Sol que “morre em chamas toda tarde para
ressurgir na manhã seguinte”.
Apesar
da infantilidade pagã, a crença mitológica nos oferece lições. Ressurgir,
renascer, renovar-se dia a dia é a maior delas. “Tu és pó e ao pó voltarás”,
nos ensina a fé cristã. Ora, como transportar para nossa crença e fugacidade da
vida terrena a história dessa ave, que seria capaz de “transportar um elefante”
e se perpetuar em sucessivas gerações? Embutido nesta fantasia e quase carência
humana de perpetuação da própria espécie, está o centro da fé que professamos,
ou seja, o cristão também é uma fênix, que ressurge de sua insignificância
carnal para se perpetuar no espírito. Eis o mistério que nos motiva!
Ora,
entre a mitologia e a fé genuína está a realidade. A natureza nos ensina muito
mais, posto ser esta o referencial visível da vida biológica. Para ultrapassar
essa realidade, só com o olhar da fé. Pois então, aqui vai uma lição das
maravilhas da natureza. As aves capazes de altos voos possuem uma capacidade
visual que lhes proporciona não só a distinção de pequenas caças, como também a
faculdade de “nictitar”, ou seja, descansar a visão e poupá-la da contemplação
de coisas inúteis. Essas aves possuem uma segunda membrana nos olhos, que lhes
proporciona uma visão aguçada, porém mais concentrada nos seus objetivos. Essa
sub pálpebra funciona como uma lente de descanso, que filtra os raios solares e
apura a visão apenas para o que de fato lhes interessa.
Eis
o que nos interessa agora. A fé cristã transporta mais que um elefante,
transporta montanhas... Ressurge das cinzas de nossas limitações físicas e se
renova a cada por do Sol – “a cada dia bastam suas preocupações” – na esperança
que motivou a perseverança dos apóstolos – “para onde iremos nós, se só tu tens
palavras de vida eterna?” – pois o questionamento de Pedro é nossa única
motivação. A perseverança nessa doutrina é a visão de um objetivo além da
realidade biológica, que ressurge das limitações terrenas para se glorificar no
mistério da ressurreição, a maior das promessas da doutrina cristã.
“Se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1Cor
15,14). A preocupação do apóstolo era deixar evidente todo seu esforço de vida
missionária baseada unicamente na certeza da ressurreição. Sem esta, perdia seu
tempo. Diria mais adiante: “Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos
também que Deus levará com Jesus os que nele morreram” (1 Tess 4,14). Essa é a
visão cristalina da fé, única motivação que de fato nos interessa, para
continuarmos nossos voos pela vida, na esperança de um dia também ressurgimos
das cinzas de nossas incertezas e recobrarmos a vida plena em Deus.
Por
ora, façamos um esforço mínimo de renovação. Podemos fazer. Devemos fazer. A
liturgia do tempo quaresmal se estende ao nosso dia a dia e nos dá oportunidade
de vencer a morte dos pecados cotidianos, das limitações físicas, das
incertezas espirituais, da insegurança na fé, do desanimo, da incompreensão...
Seja também uma fênix! Seja uma ave de altos voos, de visão aguçada pelo
espírito, pelo objetivo que só a pureza de uma fé genuína é capaz de nos dar.
Assim - como Jesus - também colocaremos nossas vidas sobre a pira ardente de um
holocausto divino.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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