domingo, 2 de março de 2014

TROCANDO FIGURINHAS

TROCANDO FIGURINHAS
            Em época de grandes competições esportivas um dos passatempos prediletos da gurizada é a troca de figurinhas para preenchimento de seus álbuns. Quem já não passou por essa fase na vida? Até um jogo, o bafa-bafa, que consiste em levantar o maior número de figurinhas do concorrente, proporciona um clima de saudável e animada competição, fora das quadras, mas colorindo praças e pátios escolares, sempre com o objetivo de conquistar o cromo que falta num álbum qualquer. Sem falar das figurinhas carimbadas, mais difíceis, disputadas a qualquer preço, que o mercado negro valoriza como jóias raras.
            Logo, logo, a gurizada estará às voltas com mais uma edição dos maiorais da copa. Álbuns coloridos, para todos os gostos e bolsos (principalmente bolsos...) encantarão e farão brilhar os olhos de muitas crianças, nessa estranha competição pelas estampas dos melhores do mundo. Moedinhas e trocados serão caçados meticulosamente no fundo das gavetas, nas bolsas das mães, na carteira dos pais ou garimpadas dos cofrinhos de poupança e a mirrada mesada de muitos desaparecerá num passe de mágica. O dono da banca terá dias de movimento. O boteco da esquina, a sorveteria, o bazar, todo e qualquer estabelecimento que se aventure a vender esses cromos miraculosos, verão renascer o tilintar de muitas moedas, até então desaparecidas. E, de moeda em moeda, de grão em grão, nosso rico dinheirinho estará convocado para o pontapé inicial desse espetacular negócio chamado copa. Prefiro a copa das estampadas embaralhadas do meu jogo de paciência! Mas, vamos lá...
            Na minha infância também fui um aficionado colecionar de figurinhas. E um espertalhão no bafa-bafa. Santa inocência! Foi preciso muitas lambadas no dorso, muito suor para o arroz e feijão, para compreender as armadilhas e artimanhas por detrás da ingenuidade infantil. Sempre sem malícia, sempre infantil... Agora me pergunto: a quem estamos favorecendo com nossa inocência tupiniquim, dizendo amém a tudo que nos diz, pede, ordena, exige, impõe, condiciona, determina esse tal de espírito esportivo apelidado de FIFA? Bota espírito nisso! Então arrisco uma pergunta maliciosa: seria bafa-bafa ou abafa, abafa?
            O pior dessa história é que estamos trocando figurinhas por figurões. A máquina de fazer dinheiro anda a mil e não se deixa manipular facilmente, nem funciona nas mãos de pobres. Rouba-lhes até os trocados, que, somados, irão empanturrar os grandalhões. Sabemos de antemão o quanto essa copa já nos lesou e quanto ainda irá levar desse país que se orgulha em servir de espetáculo a qualquer turista que por aqui aporte. Enquanto pobres existirem em nosso meio, enquanto os pilares básicos de uma sociedade justa e fraterna não se consolidarem como esteio de uma nação realmente séria, outra prioridade não pode existir senão sanar suas carências e injustiças sociais.
            Rui Barbosa - grande jurista e escritor brasileiro - também pôs em risco sua pele na política desse país. Não gostou das figurinhas que descobriu no eterno jogo marcado pelos interesses quase sempre pessoais, presentes na vida pública. Acabou por produzir uma das frases mais oportunas quando se trata de definir nossa política. “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto”. Mesmo assim, fez tremular sua bandeira em prol do povo e mostrou-nos ser possível reverter uma situação desfavorável. Basta uma troca de figuras, não na malandragem do bafa e abafa, mas no voto consciente, responsável. Então concluiu: “Embora acabe eu, a minha fé não acaba; porque é a fé na verdade que se livra acima dos interesses caducos, a fé invencível”. Figura carimbada, esse Rui!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

           


            

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