TROCANDO FIGURINHAS
Em
época de grandes competições esportivas um dos passatempos prediletos da
gurizada é a troca de figurinhas para preenchimento de seus álbuns. Quem já não
passou por essa fase na vida? Até um jogo, o bafa-bafa, que consiste em levantar
o maior número de figurinhas do concorrente, proporciona um clima de saudável e
animada competição, fora das quadras, mas colorindo praças e pátios escolares,
sempre com o objetivo de conquistar o cromo que falta num álbum qualquer. Sem
falar das figurinhas carimbadas, mais difíceis, disputadas a qualquer preço,
que o mercado negro valoriza como jóias raras.
Logo,
logo, a gurizada estará às voltas com mais uma edição dos maiorais da copa.
Álbuns coloridos, para todos os gostos e bolsos (principalmente bolsos...)
encantarão e farão brilhar os olhos de muitas crianças, nessa estranha
competição pelas estampas dos melhores do mundo. Moedinhas e trocados serão
caçados meticulosamente no fundo das gavetas, nas bolsas das mães, na carteira
dos pais ou garimpadas dos cofrinhos de poupança e a mirrada mesada de muitos
desaparecerá num passe de mágica. O dono da banca terá dias de movimento. O
boteco da esquina, a sorveteria, o bazar, todo e qualquer estabelecimento que
se aventure a vender esses cromos miraculosos, verão renascer o tilintar de
muitas moedas, até então desaparecidas. E, de moeda em moeda, de grão em grão,
nosso rico dinheirinho estará convocado para o pontapé inicial desse
espetacular negócio chamado copa. Prefiro a copa das estampadas embaralhadas do
meu jogo de paciência! Mas, vamos lá...
Na
minha infância também fui um aficionado colecionar de figurinhas. E um
espertalhão no bafa-bafa. Santa inocência! Foi preciso muitas lambadas no
dorso, muito suor para o arroz e feijão, para compreender as armadilhas e
artimanhas por detrás da ingenuidade infantil. Sempre sem malícia, sempre
infantil... Agora me pergunto: a quem estamos favorecendo com nossa inocência
tupiniquim, dizendo amém a tudo que nos diz, pede, ordena, exige, impõe,
condiciona, determina esse tal de espírito esportivo apelidado de FIFA? Bota
espírito nisso! Então arrisco uma pergunta maliciosa: seria bafa-bafa ou abafa,
abafa?
O
pior dessa história é que estamos trocando figurinhas por figurões. A máquina
de fazer dinheiro anda a mil e não se deixa manipular facilmente, nem funciona
nas mãos de pobres. Rouba-lhes até os trocados, que, somados, irão empanturrar
os grandalhões. Sabemos de antemão o quanto essa copa já nos lesou e quanto
ainda irá levar desse país que se orgulha em servir de espetáculo a qualquer
turista que por aqui aporte. Enquanto pobres existirem em nosso meio, enquanto
os pilares básicos de uma sociedade justa e fraterna não se consolidarem como
esteio de uma nação realmente séria, outra prioridade não pode existir senão
sanar suas carências e injustiças sociais.
Rui
Barbosa - grande jurista e escritor brasileiro - também pôs em risco sua pele
na política desse país. Não gostou das figurinhas que descobriu no eterno jogo
marcado pelos interesses quase sempre pessoais, presentes na vida pública.
Acabou por produzir uma das frases mais oportunas quando se trata de definir
nossa política. “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder
nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e
ter vergonha de ser honesto”. Mesmo assim, fez tremular sua bandeira em prol do
povo e mostrou-nos ser possível reverter uma situação desfavorável. Basta uma
troca de figuras, não na malandragem do bafa e abafa, mas no voto consciente,
responsável. Então concluiu: “Embora acabe eu, a minha fé não acaba; porque é a
fé na verdade que se livra acima dos interesses caducos, a fé invencível”.
Figura carimbada, esse Rui!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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