DIAS NUBLADOS
Moscou,
a capital russa (ou soviética? – tanto faz) tem a fama de produzi-los e
divulgá-los como os melhores. Mas é de Roma mesmo a simbologia maior para a
razão de ser de um circo. Se o império não satisfaz ao povo, dê-lhes circo e
algumas migalhas de pão. Se o governo dos povos vai mal, coloque os cristãos –
aqueles mais esclarecidos e conhecedores da verdade – nas arenas dos leões e
acuse-os perante o povo. A turba sedenta de sangue, de emoções, aplaudirá tão
vil espetáculo. Depois, uma bolsinha aqui, um passe livre ali, uma merendinha
acolá...
Parece
que a origem do circo é mesmo um círculo vicioso. Não à toa todas as arenas do
mundo circundam sempre uma ilusão passageira, um espetáculo de massas, o ópio
do povo. Anestesiam momentaneamente as dores e carências da grande maioria,
enquanto é outro o grito da realidade e o diagnóstico geral só aponta nuvens e
trevas. Aqui muitos abandonam a leitura. É incrível essa rejeição humana, mas
quando se trata da realidade, melhor não encará-la. Melhor sentir o conforto da
poltrona alienante, os lances do torneio dos campeões; aplaudir o urro dos
leões sanguinolentos e ironizar a sensatez dos pobres cristãos! Pão e circo.
Assim de campeonato em campeonato, de consagrações populares que beiram a
idolatria – pois colocam seus heróis em altares bem próximos da adoração
mitológica – a turba de fanáticos torcedores foge da realidade que a cerca.
Mas
as nuvens pairam no ar momentaneamente. Irão cair, queiram ou não. Se chuva
amena ou tempestade só o tempo dirá. Só a necessidade de cada um para
compreender os sinais do tempo, a benevolência da chuva em terra árida e as
ameaças da tempestade em solo encharcado. Metáfora truncada, para nos dizer que
Deus dá sempre o necessário, porém os excessos devem ser administrados pela
previdência humana. Ou seja: Deus é Providente; o homem, no mínimo, deveria ser
previdente. Então, voltando às nuvens que rondam nossos céus, sua precipitação
sobre nós só será desastrosa se aqui embaixo não existir meios adequados para
bem escoá-la. O coliseu romano exibe seus escombros aterradores, apesar dos
séculos. É ainda um tributo à insensatez humana, ao longo da história. Não foi
uma nuvem passageira, mas testemunha inconteste do quanto pode quedar-se um
império construído sobre os fantasmas da alienação humana.
Depois
da tempestade vem sempre o céu azul. Já não podemos chorar pelo leite, pelo pão
extraviado, pelos desvios de recursos, pela propina livre, pesada e solta... O
circo aí está e suas cortinas se abrem. Começa o espetáculo, diz o dono da
festa. E nosso mestre “sem” cerimônias, sem mais o que fazer, pode apenas
exclamar: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda Palavra!...” Palavra donde
lampeja um mínimo de racionalidade, de conscientização, de razão. Ainda bem.
Pois se hoje o circo pega fogo, amanhã, depois dos dias nublados, as urnas irão
sorrir.
Até
lá, vamos dar vazão às águas. Há sempre uma maneira de tirar bom proveito do
céu nublado. Dependendo das nossas carências, é até sinal de bênção, de
esperança, de alegria. Cada circo faz sucesso não pelos palhaços que têm, mas
pelo público que os aplaude, que se identifica com seus artistas. Se o palhaço
é ruim, vaia nele! Se o espetáculo não agrada, idem! Agora, se sonhamos com um
“espetáculo de crescimento” que não veio, não será uma pífia nuvem passageira
se dizendo a campeã dos campeões que arrancará nossos aplausos. Quando o temor
e a insegurança da noite próxima se manifestam, os discípulos do mestre se
preocupam com o povo: “Este lugar é deserto e a hora é avançada” (Mt 14, 15).
Mas a resposta de Jesus compromete as lideranças do povo, aqueles que ainda
enxergam os perigos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Alimentai-os com o pão da
verdade, o maná do deserto!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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