segunda-feira, 19 de maio de 2014

PACTO DAS CATACUMBAS

PACTO DAS CATACUMBAS
            Há quase meio século a revolução eclesiológica do Concílio Vaticano II ainda fervilhava com suas decisões finais. Inebriados e impulsionados pelo clima de transformações que passava a Igreja, no dia 16 de novembro de 1965, momentos antes do encerramento do concílio, cerca de 40 padres conciliares se reuniram nas catacumbas de Domitila. Naquele ambiente impregnado de recordações históricas, onde ecoava o clamor dos muitos mártires que a “revolução de Cristo” produziu, aqueles padres pretendiam apenas celebrar a fé, através da Eucaristia. Acabaram por assinar um pacto, um “desafio aos irmãos no Episcopado” ainda reunidos em Roma.
            Diferentemente dos inúmeros documentos conciliares até então assinados sob um consenso evangélico transformador e unânime, o novo documento que brotava daquela catacumba era mais que alvissareiro. Era questionador. Como fluido santo que emana de todas as catacumbas, sejam estas ocultas no passado ou bem atuais, como as que surgem ostensivamente da nova onda de perseguições que vemos acontecer nos dias de hoje. O fato é que aquele “documento conciliar”, imprevisto e iluminado pela luz de um crescimento árduo, doloroso, inquietante, mas sempre vitorioso, chamou à razão muitos dos baluartes, pensadores e intelectuais, doutores e expertises que discutiam com esmero próprio o novo rumo da Igreja pós concilio. Afinal, o que possuía de tão precioso e transformador?
            Nada. Apenas treze itens rascunhados à luz da “escuridão sepulcral” do calvário cristão, dentro de uma catacumba. Seu preâmbulo justificava a audácia daquelas linhas: “Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho... na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue”. Então enumeravam os treze propósitos, todos eles possuidores de uma singeleza evangélica até então destoante daquela vida de Igreja contaminada pelos sonhos de poder e glória, grandeza e ostentação, carreirismo acima da simplicidade vocacional, longe da pureza evangélica... Aquela Igreja que se reformava num concílio de corajosas conciliações!
            Dentre esses itens se destacava o propósito de um novo modo de vida de seus pastores, “para renunciarmos à aparência e à realidade da riqueza”. Nem ouro, nem prata, lembravam. “Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome”. Tudo estaria vinculado aos bens diocesanos, “em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos”. As formas de tratamento cerimoniosas (eminência, excelência, monsenhor) seriam recusadas por eles, que preferiam a simplicidade do nome evangélico padre, e nada mais. Evitariam bajulações ou homenagens de cunho social (banquetes, títulos, etc.), bem como assim procederiam com seus fiéis leigos diante da comunidade. Dentre outras decisões, dariam mais força à colegialidade dos bispos, em especial à ajuda aos episcopados das nações pobres; comprometendo-se a partilhar mais na caridade pastoral, “procurando ser o mais humanamente presentes, acolhedores”. Concluíam suas resoluções contando com o apoio, a compreensão e as orações de seus próprios diocesanos.
            Vingou tal pacto? Se você tem dúvidas, dentre eles estavam alguns brasileiros, como D. Hélder Câmara, por exemplo. Sua vida, sua história nos dizem tudo. Mas, passados cinquenta anos, sempre é bom recordar e reavivar o perfume sagrado que o Concílio Vaticano II lançou sobre as mais ocultas das dobraduras eclesiais. Dentre elas as catacumbas, que muito feriram e muito ainda ferem essa história de fé. Documentos temos, e muitos! Porém assinado com sangue e lágrimas, só um, o mais singelo deles, o pacto de amor entre Deus e os homens. Dessa paixão e morte ressurgiu e ressurge a luz!
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br



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