FÉ E POLÍTICA JUNTAS
Janeiro
de 1982. Ainda namorando meu possível ingresso no Instituto MEAC, grupo
missionário de leigos católicos, fui convidado a uma reunião especial em São Paulo. Numa
residência simples o dono da casa nos reuniu num anexo onde mantinha pequena
biblioteca, escrivaninha e várias almofadas. Ali nos acomodamos – um grupo de
aproximadamente dez pessoas, dentre as quais Neimar de Barros, Arthur Miranda,
Jean Carlo, José A. Fonseca, José Geraldo, Urbano Medeiros e o dono da casa,
Antoninho Tatto – e ficamos em oração, à espera do palestrante do dia. Eis que,
com sua pontualidade sempre britânica, chegou o homem, sorriso de paz e olhar
amigo. Sem cerimônia alguma, logo se acomodou num canto e se fez um conosco.
Tratava-se
de Plínio de Arruda Sampaio, político e ícone do catolicismo brasileiro por
suas posições sempre coerentes com as diretrizes da Igreja. Apresentado ao
grupo, fixou nossos olhos ciente de estar diante de pregadores cristãos e foi
logo dizendo: “Antes cristãos com vocação política do que políticos sem vocação
cristã”. Foi o primeiro nocaute de uma pregação clara, convincente, enraizada
em um testemunho pessoal, que mudou radicalmente minha visão do mundo político
dentro de uma realidade cristã. A partir dessa reunião compreendi ser
impossível o exercício da fé sem participação política; como também
extremamente danoso o exercício político sem as diretrizes da fé. “O homem é um
ser político desde o berço, inserido num contexto de “polis” (vida em comum que
gera a prática do diálogo, da polidez, do jogo político), mas que também
desperta no indivíduo a esperança por melhoras, a fé, a crença, o respeito a
Deus e aos irmãos”. Foi essa uma das
minhas muitas anotações daquele inesquecível dia. Foi mais ou menos isso o que
nos passou o professor Plínio.
Desde
então, nunca mais perdi de vista as ações e pretensões daquele político
diferenciado, homem de fé e de vida familiar, que teve os direitos políticos
também cassados pelo AI 1, que se exilou no Chile e fez mestrado nos EUA, que
ajudou na fundação do PT e o abandonou em 2005 envergonhado com o mensalão, que
eleito deputado pela primeira vez em 1964 (PDC), voltou à Câmara em 1985 e
disputou o governo de São Paulo em 1989, que como um Davi diante de Golias
lançou sua candidatura à presidência da República em 2010, apenas e tão somente
para tornar públicas suas ideias e fermentar o processo político a nível
nacional. Idealista, de fato, com um pensamento socialista moderado, pois dizia
que extremos não levavam a nada. Daí sua definição e opção nunca radical, de
juntar o ideário cristão ao meio termo socialista. Ou, como dizia: diminuir ao
menos um pouco a diferença entre ricos e pobres. Porém, de todo seu ideário
político e religioso, seu grande apostolado em vida foi apregoar aos quatro ventos
um pensamento político coerente com sua fé. Tanto que, durante anos, foi o
pregador mais solicitado dentro da CNBB, tornando-se orador oficial em quase
todas as dioceses brasileiras, quando o assunto era fé e política.
Nosso
último encontro foi em janeiro de 2012, aos pés do Cristo Redentor, no Rio. Eu
de férias com minha família e ele com seus netos. Trocamos rápidas palavras e,
juntos, entramos na simplória capelinha ali, no pedestal do Cristo, para
demonstrarmos nossa fé num momento de oração. Ele com o mesmo sorriso e olhar
amigo. Eu contemplando um gigante em sua fé, alguém que muito desejou a redenção
desse País. E ambos extasiados pelo gigantismo daquele monumento a abençoar
nossa pátria.
Na
trágica tarde de 8 de julho, quando o Brasil chorava a derrota vexatória de uma
ilusão esportiva, Plínio Sampaio, 83, dizia adeus a seu povo, vencido por um
câncer. Porém persistente em sua luta por um país mais amadurecido
politicamente e justo no exercício da solidariedade cristã. Sabia que derrotas
circunstanciais não destroem convicções bem semeadas. Sua fé e vida política foram
coerentes até o fim.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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