domingo, 27 de julho de 2014

A ALEGRIA DO ÉBRIO

A ALEGRIA DO ÉBRIO

            Uma das páginas mais atraentes da vida de Santo Agostinho foi a percepção da alegria de viver de um pobre ébrio. Desejou para si aquela estranha alegria. Percebeu, mesmo que erroneamente, ser mais profunda e autêntica a alegria estampada na fisionomia daquele pobre ébrio do que todas as falsas alegrias por ele vividas até então. “Gemi e falei, aos amigos que me acompanhavam, das muitas angústias provenientes das nossas loucuras. Com todos os esforços – quais eram os que então me preocupavam, carregado sob o aguilhão das paixões, com o peso da minha desgraça, que aumentava ao arrastá-lo - , só queríamos chegar à alegria segura, aonde já tinha chegado, primeiro que nós, aquele mendigo..”, escreveu em suas Confissões.

            Era ainda uma tênue visão do que realmente venha a ser alegria plena. Agostinho, perdido em suas paixões e ilusões de uma vida dissoluta e descrente de tudo, nem de longe poderia entender o valor da verdadeira alegria, que só encontraria quando lhe fosse totalmente revelado o segredo que tanto buscava. Disse então: “Não possuía o ébrio, é certo, a alegria verdadeira. Mas, com tais ambições, eu buscava-a muito mais falsamente. Ele, com certeza, andava alegre, e eu preocupado; ele vivia seguro, e eu cheio de inquietações”. Seu distanciamento de si próprio e dos valores que inquietavam sua alma conturbada era tal, que até mesmo a alegria momentânea de um insignificante embriagado, mas feliz, provocavam sua inveja, seus mais profundos desejos de felicidade. Nada, nem a vida nefasta, nem as muitas mulheres, nem o fausto e o luxo, nem a boemia, nem as regalias de um status social, nada mais lhe provocava bem estar, alegria. “Se alguém me perguntasse se preferia andar alegre ou perturbado, responderia “andar alegre”. Se, porém, de novo me interrogasse se antes queria ser como o ébrio ou como eu era, escolheria viver acabrunhado por cuidados e temores”. Nada mais tinha sentido na vida daquele proeminente e bem sucedido jovem.

            Estabeleceu diferenças entre uma alegria e outra: a gratuita e passageira alegria do pobre embriagado e a fugaz e ilusória alegria de quem tudo possuía aos seus pés. Compreendeu que a verdadeira alegria estava infinitamente distante de qualquer princípio de vaidade e prepotência. “Também entre o ébrio e eu havia grande diferença. Sem dúvida, ele era mais feliz, não só porque transbordava de hilaridade – porém eu era devorado por ansiedades – mas porque ele adquirira o vinho desejando prosperidade aos seus benfeitores, enquanto eu procurava a ostentação com a mentira”. Desde então, mergulhou nessa verdade. Só quem partilha um momento de alegria desejando o bem aos que nos proporcionam tal momento, quem partilha com o outro sua alegria de viver será capaz de entender a alegria verdadeira, aquela que nos deixa inebriados pela graça de Deus e dá sentido às nossas vidas.


WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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