JUIZ NÃO É DEUS
Parado
em uma blitz da Lei Seca, em 2011, um juiz do Rio de Janeiro foi surpreendido
sem habilitação e conduzindo um Land Rover sem placas e sem documentos. O caso seria
apenas um registro de infração de trânsito, com a apreensão do veículo, se o
magistrado não prevalecesse de sua autoridade para comparar a posição da
“simples” agente de trânsito contra “a função que ele representa para a
sociedade”. No auge do “multa, não multa, prende não prende”, a agente acabou
ouvindo voz de prisão pelo fato do juiz ter se sentido insultado com um
comentário indignado da pobre agente: “O senhor é juiz, mas não é Deus”.
Resultado:
O caso foi parar na justiça, com uma ação apresentada pela agente Luciana. Luta
de Davi e Golias. Mas com resultado desfavorável à pequena guerreira, que,
nesta semana, se viu condenada a pagar R$ 5.000 ao magistrado que a acusou de
desacato à autoridade e processada por abuso desta. A decisão causou tremendo
reboliço nas redes sociais, com a opinião pública massivamente favorável à
atitude da agente, que apenas cumpria seu dever fiscalizador. Deparou-se com um
delito de trânsito, para o qual a lei é clara e não faz acepção de pessoas,
independentemente de sua posição social ou cargo público que ocupe. Aliás, é
das autoridades constituídas, especialmente judiciais, que deveriam emanar os
exemplos de conduta e respeito às leis. Ou não? Não são os magistrados da corte
os maiores representantes da prática da justiça em qualquer sociedade
minimamente submissa às suas Leis e Constituições?
A
obviedade do erro mancha de negro nossos poderes judiciais. Agora, depois do
estrago feito, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) diz que reavaliará a
decisão. Mesmo que a multa à agente seja perdoada, como ficará a flagrante
infração do juiz? Como conhecedor das leis, o mínimo que este poderia ter feito
era parabenizar sua agente fiscalizadora no cumprimento de sua função, pagar
pelo ato de desrespeito às leis e seguir seu caminho. Mas, não. Além de se
arvorar em sua pretensa autoridade, deixou que a engrenagem avassaladora dos
nossos tribunais triturasse a infeliz agente. Não, juiz não é nenhuma divindade,
nem está acima da lei, que permanece igual para todos.
O
tempo dos Juízes se foi. Está lá nas páginas bíblicas. Eram estes os protetores
e condutores do povo oprimido de Israel. “Quando o Senhor suscitava juízes, ele
estava com o juiz para livrá-los de seus inimigos, enquanto vivesse o juiz” (Jui
2,18). Função santa e privilegiada, constituída por Deus para que a justiça
divina também alcançasse as injúrias humanas contra seu povo eleito. Função que
deveria manter o manto sagrado da proteção de Deus sobre os injustiçados desse
mundo, nunca sobre as benesses e privilégios que a própria função possa
oferecer. Eram juízes, mas não Deus. A Ele caberia o julgamento final, a
Justiça sem os vícios das fraquezas e tendências humanas.
Justiça
seja feita. Esse é apenas um pequeno exemplo da falha justiça dos homens quando
longe da imparcialidade divina e seus critérios de julgamento. A Ele se confia
o desfecho final de toda e qualquer injustiça que aqui praticamos. Mesmo assim,
ainda temos tempo para corrigi-la, quando o que está em jogo não é o privilégio
de alguns, o status de outros e a insignificância da maioria, mas sim a clareza
das leis que nos governam. Lei se cumpre. Justiça se faz. Mesmo que se coloque
em xeque uma autoridade sobre a outra. Mesmo que a atitude de um agente macule
a dignidade de um magistrado. Isso vale para todos, pois acima da lei dos
homens só a Lei de Deus pode julgar sem vícios ou parcialidades meramente
humanas. Porque nenhum juiz pode se arvorar em Deus, mas só Deus é o Juiz
Supremo.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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