domingo, 15 de julho de 2012

A POMBA E O CARDEAL


A POMBA E O CARDEAL

Dizem os mais sensíveis que Deus nos fala através de sinais. Como não me julgo tão sensível assim, às vezes me demoro a perceber a ação de Deus nos muitos sinais que povoam nossa estrada. Mas que estes existem, existem. Muitos são clamorosos em seus apelos à consciência; outros discretos, mas tangentes e objetivos; outros mais nos chegam revestidos de muita criatividade, poesia, sensibilidade, sentimentos próprios de alguém que nos tenta provar seu mais puro amor.

            Certa ocasião, fazia eu um trabalho de animação missionária na cidade de Tupã-SP, ocupando a liturgia da palavra em todas as celebrações daquele final de semana, numa das paróquias daquela cidade. De repente, na última das celebrações, um pássaro invadiu a igreja e passou a sobrevoá-la silenciosamente, enquanto me ocupava com meu blá-blá-blá. Aquele voo silencioso e impróprio ao local me incomodava. Afinal, que fazia ali aquela criatura de Deus?

            Chegou, então, o grande momento litúrgico. O celebrante conduzia o rito eucarístico e, no momento da consagração, fez suas abluções, inclinou-se sobre as oferendas, proclamou as misteriosas palavras de Cristo e elevou aos céus o pão consagrado. O silêncio então foi quebrado, não pelo som da sineta de um coroinha, mas pelo trinado do pássaro invasor, que se lançou do beiral onde se refugiara em voo mais que rasante sobre o altar: “Bem-te-vi, bem-te-vi”. Da mesma forma na elevação do cálice, o único som na igreja era a saudação daquela criatura em linguagem bem coloquial para os ouvidos moucos da assembleia, dentre eles o meu: “Bem-te-vi, bem-te-vi”. E assim aquele pequeno pássaro bateu suas asas para bem longe...

            Toda essa introdução me veio à tona diante de uma cena que encantou muitos corações nesta semana. Durante o cortejo fúnebre e o velório de D. Eugenio Sales, uma pomba encantou a todos. Solta por um voluntário, à saída do cortejo da residência episcopal até a catedral metropolitana do Rio, o pequeno pássaro não quis bater suas asas em direção à liberdade, mas acompanhar mais de perto a despedida de um homem santo. Pousou sobre seu ataúde e ali ficou até que este fosse depositado no chão da imensa catedral, palco e sede de seu pastoreio por mais de 30 anos. Fim da cena? Não, mas momento de maior discrição, já que por aquele esquife passariam mais de dez mil pessoas. Então, para não incomodar a tantos, a pequena ave pousou aos pés do cardeal velado e ali ficou em seu mutismo repleto de simbolismo: “Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus” (Mt 3,16).

            Multidões acorreram para aquela igreja, não apenas para despedirem-se do santo e bondoso padre que partia, mas também curiosos para comprovar o pitoresco velório de uma pomba sobre o outrora primoroso cardeal – fato que toda a imprensa já alardeava como sinal dos céus ou coisa assim.           Mas, no segundo dia, a pomba buscou um lugar mais à distância daquela turba de caçadores de sinais. Acomodou-se num pequeno nicho rente ao telhado e ali, das alturas, ficou até o final daquelas exéquias, como que a esperar um sinal dos céus, “um vento impetuoso que enchesse toda a casa”, para que um povo santificado retomasse suas obrigações com mais ardor e consciência dos deveres de cada um. A pomba retomou seu caminho. O povo também. Mas o cardeal, aquele que muito nos ensinou com seu testemunho, coerência e autoridade, volta momentaneamente para o seio da paz celestial, com a alegria do dever cumprido.

            Os sinais continuam a pontuar nossa estrada. Para o cristão, a pomba branca simboliza o Espírito Santo. Qualquer criatura de Deus é sempre portadora da magnitude de seu amor, instrumentos de sua incansável busca pelas ovelhas mais arredias e inseguras. Se calarmos nossas vozes, fecharmos nossos olhos, as pedras clamarão por nós, os pássaros, as criaturas... “conforme o Espírito Santo lhes permitir que falem”.

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br


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