AS PUPILAS DO SR REITOR
Duas
tristes notícias açoitaram minha atribulada sensibilidade nesta semana: a morte
de um bom reitor e o gravíssimo estado de saúde de um velho amigo. Notícias que
às vezes julgamos distantes de nosso dia-a-dia, mas que estão aí, de alguma
forma, à espreita de todos, para nos recordar sempre o quão frágil é nossa
passagem terrena. No entanto, exatamente diante das fatalidades que nos cercam
é que encontramos o horizonte amplo das recordações e do privilégio de
histórias construídas à sombra de verdadeiras amizades.
João
Saraiva foi reitor do Seminário São José de Assis, nos anos sessenta. Jovem
ainda, assumiu essa tarefa como sacerdote da Congregação da Missão, os padres
lazaristas, que tinham a responsabilidade da formação da mais de 120
seminaristas menores dessa diocese, dentre eles esse humilde escriba de hoje.
Lembro-me com muita clareza de sua figura ímpar, serena, paciente, que marcou a
todos não pela autoridade que o cargo exigia, mas muito mais pelo olhar de
alguém que nos transmitia respeito, paz. Pe. Saraiva faleceu dia 19 de setembro
passado, nas dependências da Casa Dom Viçoso, em BH, onde os padres idosos da
CM têm seu espaço sob a responsabilidade do Pe. Sebastião Carvalho, outro que
também fez parte do time de formadores da minha juventude.
Um
terceiro formador desse time, Pe. José De Bórtoli, com quem mantenho assídua
correspondência eletrônica, foi quem me deu a fatídica notícia. Não pude deixar
de comentar, em resposta: “Lembro-me perfeitamente de sua maneira suave e por
isso autoritária de “presidir” nossas refeições, sempre pensativo, olhando no
olho de cada um de seus pupilos ou analisando a todos! Ensinava-nos com o
olhar. Dizia que uma boa digestão vinha de paciente mastigação. Nunca me
esquecerei dessa figura cujas refeições levavam mais que o tempo habitual dos
demais, mas transmitia o prazer de quem curtia a vida nas pequenas coisas”.
Estranho
partilhar publicamente tão singelas observações. Mas, por outro lado, o faço
com gratidão e reconhecimento de um privilégio que tive: conviver e conhecer na
intimidade a lisura de bons formadores, não profissionais, mas vocacionados
para a função. Os áureos tempos desses educadores, que deixaram um rastro de
formandos de naipe, muitos presidentes e políticos de renome (formados pelo
colégio do Caraça, em MG ou pelo seminário de Diamantina), muitos poetas e
escritores, profissionais de renome na história brasileira, tiveram, sim, um
reitor ou formador lazarista nas suas vidas.
E,
para lembrar a flacidez das nossas glórias, uma segunda notícia também me
entristece. Jean Carlo, cantor cego e companheiro de vida missionária por
muitos anos, padece num leito de dores. Perdeu sua esposa Elena para um câncer.
Abalado, sofreu um derrame cerebral e só se alimenta por sonda. Não mais canta
“Creio em ti” como só ele era capaz, com seu timbre de voz extraordinário, que
louvava a Deus na harmonia, na alegria de um profissional por inteiro. Só quem
conviveu, padeceu, amargurou decepções no meio artístico e religioso, como Jean
em sua opção, pode e sabe avaliar o peso do silêncio que a doença lhe impõe
agora. Perdeu sua esposa, - seus olhos para o mundo -, perdeu sua voz, seu
instrumento de trabalho, mas com certeza não a fé. Esta também foi cultivada
entre as paredes de um internato, o Instituto Pe. Chico, onde Jean aprendeu a
enxergar o mundo sob o paciente olhar de algum reitor. Como dizia o meu: uma
boa digestão vem de paciente mastigação. Assim a vida: recordações positivas só
serão possíveis quando sofridas e trituradas na paciência, na contemplação, na
submissão, na disciplina, na caridade, na simplicidade, ....., no amor.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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