domingo, 23 de setembro de 2012

AS PUPILAS DO SR REITOR


AS PUPILAS DO SR REITOR

 

            Duas tristes notícias açoitaram minha atribulada sensibilidade nesta semana: a morte de um bom reitor e o gravíssimo estado de saúde de um velho amigo. Notícias que às vezes julgamos distantes de nosso dia-a-dia, mas que estão aí, de alguma forma, à espreita de todos, para nos recordar sempre o quão frágil é nossa passagem terrena. No entanto, exatamente diante das fatalidades que nos cercam é que encontramos o horizonte amplo das recordações e do privilégio de histórias construídas à sombra de verdadeiras amizades.

            João Saraiva foi reitor do Seminário São José de Assis, nos anos sessenta. Jovem ainda, assumiu essa tarefa como sacerdote da Congregação da Missão, os padres lazaristas, que tinham a responsabilidade da formação da mais de 120 seminaristas menores dessa diocese, dentre eles esse humilde escriba de hoje. Lembro-me com muita clareza de sua figura ímpar, serena, paciente, que marcou a todos não pela autoridade que o cargo exigia, mas muito mais pelo olhar de alguém que nos transmitia respeito, paz. Pe. Saraiva faleceu dia 19 de setembro passado, nas dependências da Casa Dom Viçoso, em BH, onde os padres idosos da CM têm seu espaço sob a responsabilidade do Pe. Sebastião Carvalho, outro que também fez parte do time de formadores da minha juventude.

            Um terceiro formador desse time, Pe. José De Bórtoli, com quem mantenho assídua correspondência eletrônica, foi quem me deu a fatídica notícia. Não pude deixar de comentar, em resposta: “Lembro-me perfeitamente de sua maneira suave e por isso autoritária de “presidir” nossas refeições, sempre pensativo, olhando no olho de cada um de seus pupilos ou analisando a todos! Ensinava-nos com o olhar. Dizia que uma boa digestão vinha de paciente mastigação. Nunca me esquecerei dessa figura cujas refeições levavam mais que o tempo habitual dos demais, mas transmitia o prazer de quem curtia a vida nas pequenas coisas”.

            Estranho partilhar publicamente tão singelas observações. Mas, por outro lado, o faço com gratidão e reconhecimento de um privilégio que tive: conviver e conhecer na intimidade a lisura de bons formadores, não profissionais, mas vocacionados para a função. Os áureos tempos desses educadores, que deixaram um rastro de formandos de naipe, muitos presidentes e políticos de renome (formados pelo colégio do Caraça, em MG ou pelo seminário de Diamantina), muitos poetas e escritores, profissionais de renome na história brasileira, tiveram, sim, um reitor ou formador lazarista nas suas vidas.

            E, para lembrar a flacidez das nossas glórias, uma segunda notícia também me entristece. Jean Carlo, cantor cego e companheiro de vida missionária por muitos anos, padece num leito de dores. Perdeu sua esposa Elena para um câncer. Abalado, sofreu um derrame cerebral e só se alimenta por sonda. Não mais canta “Creio em ti” como só ele era capaz, com seu timbre de voz extraordinário, que louvava a Deus na harmonia, na alegria de um profissional por inteiro. Só quem conviveu, padeceu, amargurou decepções no meio artístico e religioso, como Jean em sua opção, pode e sabe avaliar o peso do silêncio que a doença lhe impõe agora. Perdeu sua esposa, - seus olhos para o mundo -, perdeu sua voz, seu instrumento de trabalho, mas com certeza não a fé. Esta também foi cultivada entre as paredes de um internato, o Instituto Pe. Chico, onde Jean aprendeu a enxergar o mundo sob o paciente olhar de algum reitor. Como dizia o meu: uma boa digestão vem de paciente mastigação. Assim a vida: recordações positivas só serão possíveis quando sofridas e trituradas na paciência, na contemplação, na submissão, na disciplina, na caridade, na simplicidade, ....., no amor.

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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