A COMUNHÃO QUE NOS FALTA
A
doutrina cristã é perfeita em seus princípios. Porém, contraditória. Isso
mesmo, não se assuste! Contraditória com a realidade de vida da grande maioria
dos que se dizem cristãos. E do cristão se exige ser sinal de contradição!...
Já que lhe chamei a atenção para o assunto, continue comigo.
Grande
pensador e, na sua juventude, réu confesso das ilusões humanas, Santo Agostinho
um dia declarou: “Não me inquieto demasiado com as seduções do perfume. Quando
está afastado, não o procuro. Quando o tenho presente, não me esquivo, mas
também estou preparado para dele me abster”.
Quais
seduções, que perfume? É lógico: odor, olfato, emulações da realidade física.
Essa competitiva atração que o mundo faz à criatura mais perfeita do universo,
para os ascetas chama-se tentação. Seduções de um perfume efêmero! Entre a
tênue linha dos prazeres terrenos e das perenes riquezas espirituais situam-se
as grandes religiões, dentre as quais o cristianismo. Todas pregam uma comunhão
humana com as riquezas do lado de lá – ocultas e maravilhosas – cuja
efemeridade inexiste, se contrapondo à volátil sedução dos perfumes humanos.
Diante deles, Agostinho demonstrava indiferentismo, não se deixava iludir, sem,
no entanto, repudiá-los. Havia um meio termo, uma relação de simbiose, respeito
mútuo entre sua realidade física e espiritual. Uma perfeita comunhão corpo e
alma. “Não me esquivo, mas também estou preparado para dele me abster”.
Esse
é o foco da atenção que lhe roubo. Seria contraditória a doutrina que nos chama
à comunhão universal? Ou contraditórios os que se declaram cristãos, sem nunca
prescindirem dos odores da realidade terrena? A fé cristã nos ensina a
respeitar e aprimorar esses dois aspectos da vida: o material e o espiritual.
Essa é a comunhão que buscamos. Conquanto, o cristão autêntico nunca será um
extraterrestre em seu meio, alguém longe da realidade em que vive, alheio às
carências, misérias e decepções humanas... Ao contrário, quanto mais afeito às
manifestações do Espírito, quanto maior sua comunhão com as “coisas do alto”,
as revelações criteriosas que sua fé proporciona, à medida de seu
amadurecimento espiritual, tanto maior será sua comunhão com a realidade que o
cerca.
Nesse
aspecto, a vida sacramental do católico, em especial sua participação
eucarística, torna-se o elemento moderador do equilíbrio que necessitamos.
Cristão sem comunhão, sem vida eucarística, é um belo pássaro que ainda não
aprendeu a cantar, nem voar. Um filhote fora do ninho. Que pena! Está sujeito
às aves de rapina, às intempéries de uma realidade física cruel e
sanguinolenta.
A
comunhão é manancial das virtudes que aspiramos, tanto no aspecto físico quanto
espiritual. Seu ápice está nas espécies eucarísticas, o mistério de fé dos
católicos. No entanto, não há ápice sem princípio e meio. A comunhão tem início
na compreensão das misérias e limitações humanas. Somos pó, a ele voltaremos.
Ponto final? Pior que não. O meio dessa história é nosso compromisso, ou seja,
a comunhão fraterna que nossa fé nos desafia a vivenciar. Eis a comunhão que
nos falta.
Diante
das misérias dessa realidade, o mesmo Agostinho um dia clamou pela piedade
divina. Salve, ó Pai, o pequeno pássaro fora do ninho! “Tende compaixão dele
para que os que passam pelo caminho não calquem aos pés esse passarinho
implume. Enviai o vosso anjo. Ele o torne a colocar no ninho, para que assim a
avezinha possa viver enquanto não souber voar”. Enquanto não comungar
plenamente com o mundo que a cerca.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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