A FESTA DOS OPRIMIDOS
Entender
o espírito pascal exige sofrimento, purificação. Ninguém comemora um novo tempo
sem ter vivido e padecido um tempo de dores e angústias, de escravidão e
pecado, de ausência de luz e de graça. Sendo assim, podemos afirmar com
convicção que só entende a festa da ressurreição quem já experimentou o
abandono das trevas, a distância da graça divina e a total desesperança de uma
vida sem sentido. Essa é a ressurreição que mais de imediato nos toca num mundo
de trevas e sem perspectivas maiores. Esse é o verdadeiro espírito pascal que
deve dominar a espiritualidade cristã.
Como
festa, a Páscoa nos lembra os tempos de escravidão no Egito. Sua liturgia já
nos apresentava um cordeiro a ser imolado, com o sangue do qual se aspergiu as portas
do povo eleito, diante das quais o anjo da morte não usou sua espada
justiceira. Mesmo assim, para se alcançar a graça da liberdade, aquele povo
fugiu às pressas, levando consigo um pão sem fermento, sandálias e um cajado
improvisado, pois que longa seria a travessia do deserto. Tais simbologias
remontam hoje a muitas das nossas tradições de culto – tanto no judaísmo quanto
no cristianismo – que por vezes é preciso restaurar para melhor entender o
porquê de seus usos e o que de significado ainda possuem em nossas vidas. Mas
nenhum simbolismo é maior do que a graça da liberdade, a vida nova que ela nos
lembra.
Também
conhecida como festa da Passagem (pois que ela nos recorda a travessia
miraculosa do Mar Vermelho, o marco divisório entre a escravidão e a
liberdade), na doutrina cristã nos fala mais diretamente da passagem da morte
para a vida. O milagre da ressurreição de Cristo se tornou o marco definitivo
para a esperança daqueles que acreditaram nas suas promessas (Eu sou a
ressurreição e a vida) e desde então seguem seus passos e suas palavras.
Principalmente aqueles que fazem da travessia do deserto de suas vidas uma
aventura lúcida e esperançosa, paciente e confiante, onde inexiste espaço para
qualquer situação de morte.
Assim,
o credo cristão nos faz refletir: “Cremos na ressurreição dos mortos, na vida
eterna”. É essa visão de vida nova e infinita que dá sentido à espiritualidade
humana. Sem ela, continuamos meros mortais, finitos, limitados, sem qualquer
esperança que não seja aquela da realidade material. Quem limita sua existência
ao quadrante da lógica material, ainda não fez a travessia do Mar Vermelho,
ainda padece no Egito de seus conflitos existenciais, sua escravidão física e
moral. Já aqueles que ousaram enfrentar o desafio do deserto que atravessamos,
da realidade que enfrentamos dia após dia, caminham para a Terra das Promessas,
o Reino doutro mundo anunciado e prometido por Cristo. Esse é o grande desafio
que a Fé exige do cristão.
Se
Cristo não ressuscitasse, morta estaria também sua doutrina. Aliás, assim Paulo
justificou sua fé, seu entusiasmo, seu ardor pela pregação. Porque
diferentemente de toda expectativa do povo de Deus no passado, em Jesus se
realizou por completo as promessas de um novo tempo e uma nova perspectiva de
vida, a partir do seu túmulo vazio e do abandono das vestes sepulcrais. De
oprimidos pelo pecado, nos tornamos livres para escolher os próprios caminhos. Essa
é a razão da festa. A opressão e a escravidão tornaram-se uma lembrança apenas.
Tal qual deveria ser toda e qualquer situação de dor e sofrimento humano, seja
no aspecto físico, moral ou espiritual, que encontra na luz da ressurreição o
conforto e lenitivo de que necessitam nossas almas na vida. Não somos barro,
somos luz. E esta só encontra seu esplendor no final do túnel, na travessia
desse chão por vezes opressor e angustiante, mas por certo único caminho para
chegar até lá, na grande festa da Passagem Definitiva, nossa Parusia, nossa
Ressurreição.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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