UMA VELHA E UM CAOLHO
Uma
declaração descuidada do presidente uruguaio José Mujica, a respeito de sua
colega argentina e seu antecessor e falecido esposo, revoltou a família
Kirchner e abalou as relações diplomáticas entre os dois países vizinhos.
Pensou alto o velho Mujica: “Esta velha é pior que o caolho”. A frase caiu como
uma bomba, após vazar por uma página da web, criando um desconforto e um
corre-corre de delegações imbuídas em apagar a fogueira de um pensamento vago,
até então oculto nos porões do inconsciente (não apenas de um, mas de muitos). No
dia seguinte o uruguaio apenas acrescentou: “Nada, nem ninguém, pode apagar
nossa história”. Referia-se, é claro, à histórica relação de amizade entre os
dois países. Não entre os dois governantes.
Tirando
a gafe e as questões preconceituosas da terminologia usada, eis que o incidente
é um excelente manancial de reflexões, tanto quanto o é no confronto de muitas
verdades ocultas. Há mais sabedoria numa frase impensada do que naquelas
construídas sob as arestas de nossos interesses e posições que ocupamos. Pobres
aqueles que dizem o que realmente pensam. Ou pensam muito e dizem pouco. O
próprio Mujica deixou escapar em seu celebre discurso na Rio+20: “Pobre não é
aquele que tem pouco, mas aquele que necessita de muito”. Entre uma frase e
outra, uma única verdade: Pobres somos nós, que mantemos nossas “velhas
opiniões formadas” sob o clivo do vesgo olhar da opinião alheia. Dizer verdades
pode ferir, magoar. Então me calo, me omito.
Esse
é o ponto. Quem nunca se omitiu nesse aspecto? Muitas das nossas gafes acabam
sendo positivas, pois provocam a verdade e estampam na conduta do outro uma
necessidade de rever suas posições, seu comportamento. Apesar do clima de insatisfação e total
indignação provocado por opiniões contrárias à nossa, são elas que muitas vezes
nos curam de uma cegueira comportamental. Quantos caolhos e cegos ainda guiam
outros piores! Quantos ensinam o pai nosso aos vigários – no caso a presidente
ensinando ao Papa argentino como usar uma cuia de chimarrão – e não enxergam o
ridículo dum ato impensado. Eis então que o subconsciente de uma voz ao lado
nos desperta para a realidade, porque nossa verdade não é absoluta.
O
pensamento político-social está bem enraizado na mentira. “Uma mentira repetida
mil vezes pode soar como verdade”. Esse fundamento assaz contraditório está
presente em todo e qualquer veículo publicitário, especialmente aqueles que
vendem uma ideologia político-partidária. Em nada difere dos padrões do
comportamento social, onde prevalecem as aparências e não a verdade do
indivíduo. Enganar as pessoas, com o fim de galgar posições e status, para
muitos é sinônimo de esperteza, nunca mentira nua e crua. Dizer verdades,
então, é quase um ato de suicídio, que a “velha” cantilena das condutas
político-sociais desaconselha sempre. É um dos trunfos de vitórias certas. Se
preciso, diga meia verdade... uma verdade caolha. Nunca diga tudo o que sabe ou
pensa. Tudo que viu ou vê. Deixe sempre uma carta na manga. Esse é o jogo, o
trunfo do sucesso humano. Essa é a verdade que temos vergonha de assumir.
E
a verdade cristã? Na simplicidade de seus ensinamentos, a única pergunta
deixada sem resposta por parte de Cristo foi exatamente esta: “Afinal, o que é
a verdade?”. Seu silêncio e suas atitudes falaram mais alto. Ele mesmo já havia
se manifestado como a própria Verdade. Certamente, a cegueira do poder não
permitiria a Pilatos a compreensão de qualquer resposta, mesmo que essa viesse
da boca de Jesus. Mesmo assim, diante de polêmica semelhante, um dia
encurralaram o Mestre com uma questão que lhe poderia causar embaraços com a
política vigente: “A quem devemos oferecer nossos tributos?” Qual a verdade de
nossa obediência: Deus ou os homens? “A Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é
de Deus”. Não o surpreenderam em nenhuma mentira, mas, “admirados de sua
resposta, calaram-se” Porque a verdade dói.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário