MEU VELHO PEQUENO PRÍNCIPE
Diferentemente
da serpente que usou das palavras para convencer o homem a desobedecer a Deus,
sua serpente usava frases de efeito para ajudá-lo a decifrar os enigmas do
planeta Terra. Enquanto na História da Salvação a raposa astuta se apresentava
com peles de cordeiro, na sua história seria ela uma amizade duradoura e
responsável, que o conduziria pelas dunas e planícies de seu novo território,
apontando-lhe os perigos e o ajudando em suas conquistas. Sua serpente lhe
dizia: “sou mais poderosa do que o dedo de um rei”. E sua raposa replicava: “Tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Enquanto
isso, observando o corre-corre dos passageiros humanos, que iam e vinham de lá
para cá e de cá para lá, o pequeno príncipe comentou com seus amigos: “Só as
crianças sabem o que procuram”. E seu piloto ainda emendou: “As crianças têm
que ter muita paciência com as pessoas grandes”. Nessa pequena amostra de
diálogos puros, infantis, mas profunda e altamente sábios é que reside o
sucesso dum livro aparentemente insignificante aos olhos de muitos adultos, “O
Pequeno Príncipe”, do francês Antoine de Saint-Exupéry. Se não o mais lido,
pelo menos o mais citado e traduzido em mais de 200 línguas, há sete décadas esse
livrinho vem fazendo fãs e cativando amigos no mundo todo. E, o mais incrível,
a cada leitor conquistado, todos se sentem “eternamente responsáveis” por
apresentá-lo a outro e falar-lhe da maneira como esta leitura o “cativou”.
Astúcia da raposa ou sabedoria da serpente?
A
verdade é que, por trás da simplicidade e simpatia do pequeno e adorável
principezinho está a história sofrida e aventureira de seu autor. Aprendeu a
voar desde criança, fazendo adaptações em uma bicicleta e voando em sonhos com
ela. Foi, é claro, ser piloto. Ligava dois mundos distantes, como responsável
por uma linha de correio aéreo das mais perigosas à sua época. Com isso, sofreu
vários acidentes, ocasiões em que escreveu vários de seus livros, na maioria
anotações de viagem. Assim nasceu “Terra dos homens”, “Voo Noturno” e
“Cidadela”, sua mais profunda e filosófica das muitas obras. Nela escreveu: “Não
espero nada do homem, se ele só trabalhar para a sua própria vida e não para a
sua eternidade”. Doente e proibido de voar por recomendações médicas, Exupéry
saiu de cena misteriosamente, como seu pequeno príncipe, num voo sem volta em
1944.
Mas
deixou-nos mais um enigma em suas anotações: “A morte do jardineiro não é coisa
que lese uma árvore. Mas, se tu ameaças a árvore, então o jardineiro morre duas
vezes”. Realmente, a árvore representada
pela sua obra, em especial pelo opúsculo de qualidade que se tornou a história
do menino aventureiro entre planetas misteriosos, fincou suas raízes e
sobreviveu nestes setenta anos, só para nos dizer o quão maravilhosos são os
voos humanos nesta nossa existência. Ninguém foi capaz de lesar sua obra nesses
anos todos. Ela sobrevive altaneira, exuberante, só para nos falar em enigmas
que a aventura continua. Ela nos prova que aquela macieira do Paraíso, onde a malicia
de uma serpente maculou nossa relação com o Criador, pode ser revista quando
entendermos a astúcia da raposa que nos ensina o caminho. Debaixo também de uma
macieira a raposa nos ensinou os mistérios das palavras cativar, criar amigos,
atar laços.
Por
isso, sempre que me lembro, rezo com ternura pela alma desse grande escritor.
Afinal, seu grande voo livre foi em direção a misericórdia do Senhor. Como
rezou Zacarias, diante do menino-Deus, o pequeno grande príncipe da nossa
história: “Graças à ternura e misericórdia de nosso Deus, que nos vai trazer do
alto a visita do Sol nascente, que há de iluminar os que jazem nas trevas e na
sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz” (Lc 1,78-79). Ou,
pegando carona com os pássaros: “É bem mais difícil julgar a si mesmo que
julgar os outros”.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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