ARQUIBANCADA E PICADEIRO
O povo brasileiro
mostra sua cara. A grande procissão de cidadania, que tomou conta de nossas
ruas, de norte a sul, leste a oeste, tem vários andores, mas um único objetivo:
mais pão, menos circo! Foi esta a reivindicação mais coerente, que sintetizava
todas as demais, que pude ler numa surrada cartolina a desfilar em meio a
tantas outras com palavras de ordem, indignação, protesto, alerta ou
reivindicação que seja. Todas de uma forma ou de outra, como também o
pensamento, a ação e a revolta dos romeiros da esperança brasileira, acabam
sussurrando essa verdade: mais pão, menos circo!
A
convocação (feliz ou infeliz?) de uma campanha publicitária foi no mínimo uma
dessas coincidências sem explicação, mas providencial: “Vem pra rua, porque a
rua é a maior arquibancada”. Sabemos que todo circo tem sua arquibancada, mas
também seu picadeiro. Sabemos que no picadeiro se exibem palhaços e artistas.
Resta identificá-los ou cuidar para que os palhaços que iludem o povo não
ocupem suas arquibancadas, nem se julguem artistas ou mágicos que mereçam
qualquer aplauso. Artistas, malabaristas da sorte, mágicos do cotidiano,
contorcionistas do improviso, somos nós, o povo capaz de pintar o rosto como
qualquer palhaço, mas mostrar sua garra e talento na hora em que o sapato
aperta. As manifestações populares não nascem da noite para o dia; nunca
acontecem por acaso. É preciso saber ouvi-las. E entendê-las. E respeitá-las.
“O povo
brasileiro está cansado de tanta desigualdade”, disse em nota a CNBB. De fato,
uma mobilização espontânea, que ganha proporções históricas, tem algo de muito
sério a nos dizer. “A voz das ruas precisa ser ouvida e respeitada”, comentou
nossa presidente, que acrescentou: “Ela não pode ser confundida com o barulho e
a truculência de alguns arruaceiros”. Na torcida fica o povo, a grande maioria,
qual palhaço solitário ou artista desconhecido, cuja luta pela sobrevivência
não é valorizada ou é confundida com o oportunismo de alguns poucos, que fazem
de um espetáculo extraordinário pretexto para anarquia e vandalismo. Não lhes
foi dada a sensibilidade do aplauso, da solidariedade. Como um dia desabafou um
verdadeiro palhaço de nossos picadeiros, Grande Otelo, um gênio na arte e na
vida: “Tenho estado arrasado, embora não o pareça, pelo fato de não ser ouvido
nas ideias que tenho”. Outro palhaço de igual naipe, Charles Chaplin, também
falou a respeito: “Eu continuo a ser uma coisa só, um palhaço; o que me coloca
em nível mais alto do que o de qualquer político”. Mas acrescentou com dignidade
sem igual: “Falei muitas vezes como um palhaço, mas jamais duvidei da
sinceridade da plateia que sorria”.
O
povo brasileiro cansou de ser palhaço para uma minoria encastelada em seus
cargos e arquibancadas políticas. Desçam estes para o picadeiro, para o clivo
popular de uma plateia que também quer aplaudi-los, um dia, quem sabe! Porque a
arte de governar requer também o dom de fazer sorrir, de alegrar o povo não com
circo apenas, mas com um enredo coerente e consistente que faça valer a pena o
grande espetáculo da vida, o respeito aos seus dramas e comédias! Então
estaremos dispostos a aplaudir a arte que nos governa. Do alto de nossas ruas e
avenidas – a arquibancada do povo – só uma plateia minimamente coesa e
consciente de seus direitos como espectadores e juízes primeiros dos “artistas”
que escolhemos é que tem autoridade para julgar, aplaudir ou vaiar o
“espetáculo do crescimento ou do endividamento” que estamos assistindo.
Sem
mais metáforas, volto ao chão da realidade. O recado está dado – e muito bem –
por esse povo em
procissão. O que vem por fora – arruaceiros e baderneiros,
órfãos partidários e políticos sem bandeira – isso tudo o povo saberá julgar
com sua sabedoria e senso crítico. Mas repito Grande Otelo, num quase desabafo:
“Estou correndo atrás do tempo que já passou no tempo que está passando. Não
sei mais pra onde vou”. Agora sei, caro
Otelo. Todos sabemos. As urnas logo dirão...
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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