SILÊNCIO ENSURDECEDOR
A
prefeitura paulistana acaba de decretar uma lei proibindo música em alto volume
nas ruas e praças. Tenta combater os chamados “pancadões” ou bailes funk de
rua. Nada tão diferente quanto as leis de silêncio, já vigentes em muitas cidades.
Mas o que está por trás desse comportamento tão corriqueiro e conhecido de
todos nós?
O
silêncio, para muitos, é um grito ensurdecedor, insuportável. Não há nada mais
inquietante que a voz da consciência. Aqui mora o problema. Quando jovens se
reúnem ao som de suas baladas e letras vazias de sentido, digamos, ético, estão
simplesmente extravasando um sentimento contrário aos padrões de uma sociedade
que não quer ouvi-los. Nem entendê-los. Resgatam uma tradição quase tribal, de
índios prontos para a guerra, de selvagens aquecendo corpo e espírito contra o
ataque de um inimigo à espreita. O fato é que nossa sociedade vive uma guerra
surda. Contra os costumes e tradições, a rebeldia, o protesto. Contra o
silêncio de muitos, a ironia de alguns. Contra a selvageria de um mundo careta,
com suas leis cegas, suas normas frias, sempre haverá insubordinações e vozes
de protesto.
Esse
grito quase profano de uma juventude entorpecida por seus dilemas e carente do
básico na estrutura social injusta dos dias de hoje, é a raiz de uma questão
bem mais ampla. Começa pela família, quase sempre dilacerada por vários fatores
da selvagem realidade dos tempos modernos. Passa pela falta de oportunidades no
campo profissional ou mesmo estudantil. E descamba em ruas e praças, ao som e
ritmo dos “pancadões”, regados a muitas bebidas e drogas.
E
ainda se fala em liberar o uso destas! Como se liberadas não estivessem...
Nenhuma lei, descriminalizante ou não, será capaz de por freios a um gesto de
revolta, rebeldia. A raiz da questão é a compreensão desse gesto. Enquanto o
indiferentismo e o silêncio da sociedade diante das questões que afetam
diretamente nossos jovens – como a falta de oportunidades, o precário ensino
básico, a injusta cota racial, o desemprego e “otras cositas mais” – não
merecerem uma atenção maior, nunca resgataremos o respeito que hoje exigimos
brandindo leis e gritando nossos direitos.
Liberar
ou não o uso de certas drogas, proibir ou não o comportamento anti-social,
diminuir ou não o som que nos afeta, em nada contribuirá para o resgate da
confiança e do respeito que muitos exigem. Não nos façamos de surdos diante da
realidade. Nem mudos ou indiferentes. Pois que o grito de guerra já se faz
ouvir e este trará consequências bem mais devastadoras do que a sonolência do
indiferentismo. Sófocles, um filósofo grego, já dizia: “Há algo de ameaçador
num silêncio muito prolongado”. Vivemos um dilema de encruzilhada: ou quebramos
nosso silêncio ou abafamos o grito de socorro que vem de nossas praças e ruas.
Mas não será impondo leis frias e impessoais ou impondo normas sem
justificativas que retomaremos nossa vidinha pacata, sem mais dilemas, sem
outras questões que nosso conforto e individualismo. Enquanto não se reconstrói
a ponte do diálogo, das oportunidades, do entendimento, do respeito e da
compreensão, nunca valores simples do comportamento social serão reconsiderados
como algo comum e benéfico a todos.
Então
durma com um barulho desses, se você conseguir... Pois que por trás desse grito
de protesto, dos atos de rebeldia e desrespeito às normas, característica do
comportamento juvenil de nossos dias, está o silêncio de uma sociedade que
lavou as mãos, entregou os pontos. Nessa atitude enquadro a todos – a escola, a
igreja, o governo, a família, a sociedade, você e eu – como únicos e totais
responsáveis pelo caos ensurdecedor de uma omissão silenciosa, mas devastadora.
Nada mais simples do que quebrar esse silêncio, dialogar, denunciar, se fazer
ouvir e saber ouvir. Pois, diria o mestre: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
WAGNER PEDRO MENEZES
wagner@meac.com.br
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