KAIRÓS E MAKTUB
A
ansiedade humana faz parte da nossa essência. Buscar metas e alcançar objetivos
é a motivação constante da vida. Sem esses atributos não se vive, vegeta.
Triste a existência prisioneira do vazio, da passividade sem horizontes, da
concordância pura e simples. Duas palavras reforçam nossa tese. A primeira,
kairós, de origem grega, chegou até nossos dias como sinônimo de oportunidade.
Chronos, deus do tempo e das estações na mitologia grega, media o tempo de
forma quantitativa apenas. Já seu filho, Kairós, dava um novo caráter a esse
processo de medição. Tornava-se também qualitativa, como momento oportuno da
ação de Deus. O tempo humano, além do espaço fisiológico, ocupava também o
supremo espaço dos mistérios celestes. Não somente o deus do tempo, mas também
o tempo de Deus...
Assim,
incorporada à mística cristã, a palavra grega passou a representar a ação de
Deus na história humana como sinal de uma presença sempre amorosa e
providencial. Deus está conosco, age em nós, permanece em nós! Essa certeza
transforma as aspirações da pessoa de fé, não de modo passivo, conformista, mas
agora aberta à compreensão das graças e bênçãos que recebe na vida. Kairós
passa a ser a essência da fé límpida e esperançosa daqueles que não mais se
sentem a sós numa caminhada terrena. “Tudo posso naquele que me conforta”,
diria Paulo. Tudo concorre para o bem daqueles que acreditam, “põem sua
confiança Nele”, se deixam seduzir pelas promessas, pelo “momento certo” da
realização destas. Daí que a ansiedade humana muda seu foco e se torna uma
aspiração intimista, mais de cunho pessoal, espiritual, que propriamente
temporal.
Já
maktub, de origem árabe, também nos fala da ação divina, porém numa perspectiva
muito mais fatalista, do que solidária, misericordiosa. Sua tradução mais
próxima diz que tudo está escrito nos planos celestiais. Ou seja: tudo tem um
destino definido, imutável, “escrito nas estrelas”. Por essa definição, caem
por terra os conceitos do livre arbítrio e da ação misericordiosa de Deus. Se o
destino pessoal de cada um já está traçado, se tudo tem um final definido, que
sentido teria o projeto de reconciliação universal que nos propôs o Cristo? Que
Deus misericordioso seria esse, capaz de obrigar suas criaturas à resignação e
submissão inconteste à sua vontade? A interpretação livre dessa definição
islâmica quer salientar a pureza divina e as energias cósmicas como forças que
comandam a vida, regem seu destino e conspiram ou mesmo compactuam com nossos
erros e acertos na vida. Seria o ser humano uma simples marionete, um fantoche
nas mãos do seu Criador?
O
tempo de Deus é a eternidade. Mas também cabe em nosso mundinho
existencialista, posto que mil anos, para Deus, soam como mil dias e, para nós,
soam como uma eternidade. “Ao Rei dos séculos, imortal, invisível, a Deus só,
honra e glória pelos séculos dos séculos” (1 Tim 1, 17). A revelação bem aceita
por Paulo é compartilhada com Timóteo como compreensão de uma verdade
consoladora. Deus não tem limites, nem espaço, nem tempo diante das limitações
humanas. Está escrito. Mas é exatamente nesse universo limitado que Ele se nos
apresenta como luz de um tempo qualitativo e não quantitativo. “Eis, pois, o
que vos digo, irmãos, o tempo é breve... Ora. Eu quero que vivais sem
inquietação...” (1 Cor 7,29 e 32). Assim chegaremos à compreensão do nosso
destino, do que Deus quer pra cada um de nós, do que seja realmente nosso ideal
de vida dentro dos Planos e da Vontade do Pai. O tempo de Deus na realidade do
tempo presente, nosso tempo. Maktub. Isso está escrito no coração de Deus. É
nosso kairós.
(Esse
artigo homenageia dois amigos, empresários catarinenses, que rebatizaram seu
estabelecimento como Kairós, um novo tempo para suas vidas)
WAGNER
PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário