domingo, 1 de janeiro de 2012

O SERVO E O AMIGO

O SERVO E O AMIGO

            “Já não vos chamo de servos, porque um servo não sabe o que seu amo faz, mas vos chamo de amigos, porque vos revelei tudo o que sabia a respeito do meu pai” (Jo 15, 15). Durante meus primeiros anos como pregador, muitas vezes, era convidado a falar sobre amizade, sua mística, seus valores cristãos e morais. Invariavelmente, começava minhas colocações com a citação acima. Por quê? Porque nela residem todas as fundamentações da amizade pura, sincera, desatrelada de qualquer sentimento contrário à santidade e plenitude do segundo maior sentimento humano depois do amor.
            Retomo o tema motivado por um amigo que não aceitou para si a peja de servo inútil. De fato, qualquer operário de uma empresa bem sucedida tomaria como ofensa uma avaliação desse tipo sobre seu trabalho. Entre a servidão e a amizade com o patrão há aqui grande distância. Já na história que produziu a citação acima, não. Ela é o auge de uma caminhada penitente, de séculos, milênios até, que levou o povo de Deus a se considerar escória, escravos indignos da graça e misericórdia do Pai, pois que a fraqueza e infidelidade escasseavam os frutos exemplares da vida digna que Deus oferecia a todos. Preferiam a servidão, a humilhante tarefa dos vis subalternos de um projeto de Amor grandioso, para o qual não se sentiam dignos, aptos, merecedores...
            Eis então que o Senhor compreende essa insegurança e caminha ao passo deles. “Eis meu Servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda minha afeição. Faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião” (Is 42, 1). Diante da incerteza de um povo, temeroso pela grandiosidade do desafio missionário que Deus lhes confiava, o Senhor suscita dentre eles um Servo com S maiúsculo, para lhes assegurar os sabores de uma vitória futura: deixar a servidão e viver a plenitude de uma amizade divina. Mesmo assim, o povo escolhido não se acha digno e assume sem preconceitos a condição de servos de Deus. Essa resistência torna-se virtude, pois coloca no devido lugar os eleitos para tão sublime missão diante do mundo: “eu te formei e designei para seres a aliança com os povos, a luz das nações” (Is 42, 6). Diante desse Servo (prenúncio do Cristo em pessoa), de fato todos nos tornamos servos inúteis. Mas, nem por isso, deixamos de merecer o privilégio de uma tarefa grandiosa, transformadora, que só a experiência missionária é capaz de proporcionar e provar quão saboroso é o fruto de uma vitória, uma conquista que glorifique o nome do Senhor.
            No auge dessa história, Cristo nos chama à amizade total, aquela que se sela à sombra de sua cruz e nos revela todos os mistérios dessa escolha pessoal e da missão que nos foi confiada “para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça”.  Um mínimo de humildade vai bem em qualquer coração pecador (Nem sei falar, diria Jeremias, ou Sou um servo inútil, diria Isaias). Nem por isso foram omissos em suas missões diante do povo sofredor. Nem por isso Paulo, o grande amigo de Deus, deixou de lado sua servidão missionária para sofrer na pele todo tipo de injuria, violência, martírio de cruz... Como Isaias, tornou-se servo. Como servo, sentiu a pequenez de suas limitações humanas, mas abraçou a fé no amigo da estrada. Em Damasco caiu, mas em Jerusalém agigantou-se. Provou do fel da indiferença e incompreensão dos amigos de outrora, para se inebriar com o vinho de uma aliança eterna, amizade perfeita, que a Revelação da Verdade operou em seu coração: “Vós sois meus amigos”. Paulo, que assumiu plenamente sua amizade e sua servidão ao Cristo Jesus, a ponto de um dia exclamar: “Já não sou eu quem vivo. É Cristo que vive em mim...”
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br




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