PARTILHAR A FÉ
Uma produção
em mangá (desenhos típicos de modernos quadrinistas orientais) que traz a
figura dos jovens Buda e Jesus como amigos que dividem um apartamento na
moderna cidade de Tóquio, faz ao menos um grande e positivo alerta aos
defensores da fé cristã ou budista: “Não há mal em ter fé, mas não compreendo
como alguém pode ser inseguro em relação às suas crenças, a ponto de barrar uma
obra de arte” – pondera a quadrinista Hikaru Nakamura, autora e roteirista da
inusitada ficção juvenil. Antes de
fechar mentes e corações para a mensagem que pensamos serem sacrílegas com
nossos conceitos de fé, seria interessante um mínimo de boa vontade para
compreender a mensagem de tolerância ecumênica e atualidade embutidas numa
ficção ao menos interessante. A pergunta central nos questiona: o que o jovem
Jesus ou Buda, se amigos e contemporâneos, diriam ao mundo de hoje?
Mais
proposital é o fato de tal debate nos chegar acompanhado de um desafio: “Brasil
missionário, partilha tua fé”. O tema
que a Igreja nos propõe como reflexão para outubro é deveras um desafio aos que
crêem, pois o imperativo do verbo não nos deixa dúvidas: partilha tua fé! Não há
como atender a esse desafio sem plena convicção dá fé que professamos, portanto
defendemos ou quiçá partilhamos bem ou mal. Não há como imaginar Cristo ou
qualquer patriarca, profeta, fundador, inspirador de qualquer cartilha
doutrinária, sem inseri-los na realidade do mundo atual, portanto, partícipes
da nossa própria história. É o primeiro
grande passo para se ter uma fé adulta, amadurecida e coerente com nossas
vidas. Como seria a mensagem de um Cristo-jovem, inserido no corre-corre das
grandes metrópoles contemporâneas, atolado na selvagem competição mercadológica
e profissional dos nossos dias, aturdido pelo imediatismo da comunicação
instantânea, som e imagem, tet-à-tet em telas de plasma ou de
sei-lá-mais-o-quê? Sua mensagem teria outros pesos, outras medidas? Ou
continuaria pura em sua essência de amor puro e simples?
O que mais incomoda o mundo sem fé é essa
persistência incansável da adequação da fé aos progressos do homem. Um oportuno
artigo de Marcelo Gleiser, ateu e cientista brasileiro, intitulado “Ciência e
fé: realidades paralelas” (FSP 7.10.12) coloca mais uma vez lenha nessa
fogueira que sempre distanciou crentes e ateus, pra não dizer fé e ciência.
Cada qual apresenta suas convicções, sem nunca uma conclusão satisfatória a
todos. “O que irrita os cientistas, ao menos os que são ateus, é a insistência
dos que têm fé em crer em algo inacessível”, conclui o lead desse tema com vertentes
comuns, mas extremos invioláveis. A fé continuará experiência pessoal íntima,
intocável no aspecto físico, mas bem tangente na sua dimensão introspectiva. Ou
seja, quem acredita, sabe por que acredita. Ao passo que quem renega, busca
respostas, questiona, quer de alguma forma também acreditar no que defende. Por
isso provoca. Por isso necessita da partilha convincente de alguém mais próximo
de uma verdade sobrenatural, que lhe mostre as razões de suas convicções.
Interessante
é a conclusão do artigo de Gleiser: “Essa é a explicação pela fé, além da
ciência” – diz a pessoa de fé. Ao passo que o ateu argumenta: “Eu prefiro
continuar tentando do meu jeito”. Então à pessoa de fé só resta desejar: “Boa
sorte, que Deus te inspire”. E ao ateu, continuar teimando: “Eu prefiro me
inspirar sozinho mesmo”.
Neste
quadro de desafios para duas facções em atritos constantes, ao cristão sobra a
missão que lhe é peculiar: continuar partilhando. Foi da partilha de cinco pães
e dois peixes que se deu a multiplicação, para nos lembrar algo muito próprio
da fé sem fronteiras, sem lógica, sem explicações plausíveis, mas visível aos
olhos dos crentes: de uma ação solidária é que os milagres acontecem. E dela
sobram muitos cestos.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br
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