domingo, 7 de outubro de 2012

PARTILHAR A FÉ


PARTILHAR A FÉ

Uma produção em mangá (desenhos típicos de modernos quadrinistas orientais) que traz a figura dos jovens Buda e Jesus como amigos que dividem um apartamento na moderna cidade de Tóquio, faz ao menos um grande e positivo alerta aos defensores da fé cristã ou budista: “Não há mal em ter fé, mas não compreendo como alguém pode ser inseguro em relação às suas crenças, a ponto de barrar uma obra de arte” – pondera a quadrinista Hikaru Nakamura, autora e roteirista da inusitada ficção juvenil.  Antes de fechar mentes e corações para a mensagem que pensamos serem sacrílegas com nossos conceitos de fé, seria interessante um mínimo de boa vontade para compreender a mensagem de tolerância ecumênica e atualidade embutidas numa ficção ao menos interessante. A pergunta central nos questiona: o que o jovem Jesus ou Buda, se amigos e contemporâneos, diriam ao mundo de hoje?

            Mais proposital é o fato de tal debate nos chegar acompanhado de um desafio: “Brasil missionário, partilha tua fé”.  O tema que a Igreja nos propõe como reflexão para outubro é deveras um desafio aos que crêem, pois o imperativo do verbo não nos deixa dúvidas: partilha tua fé! Não há como atender a esse desafio sem plena convicção dá fé que professamos, portanto defendemos ou quiçá partilhamos bem ou mal. Não há como imaginar Cristo ou qualquer patriarca, profeta, fundador, inspirador de qualquer cartilha doutrinária, sem inseri-los na realidade do mundo atual, portanto, partícipes da nossa própria história.  É o primeiro grande passo para se ter uma fé adulta, amadurecida e coerente com nossas vidas. Como seria a mensagem de um Cristo-jovem, inserido no corre-corre das grandes metrópoles contemporâneas, atolado na selvagem competição mercadológica e profissional dos nossos dias, aturdido pelo imediatismo da comunicação instantânea, som e imagem, tet-à-tet em telas de plasma ou de sei-lá-mais-o-quê? Sua mensagem teria outros pesos, outras medidas? Ou continuaria pura em sua essência de amor puro e simples?

             O que mais incomoda o mundo sem fé é essa persistência incansável da adequação da fé aos progressos do homem. Um oportuno artigo de Marcelo Gleiser, ateu e cientista brasileiro, intitulado “Ciência e fé: realidades paralelas” (FSP 7.10.12) coloca mais uma vez lenha nessa fogueira que sempre distanciou crentes e ateus, pra não dizer fé e ciência. Cada qual apresenta suas convicções, sem nunca uma conclusão satisfatória a todos. “O que irrita os cientistas, ao menos os que são ateus, é a insistência dos que têm fé em crer em algo inacessível”, conclui o lead desse tema com vertentes comuns, mas extremos invioláveis. A fé continuará experiência pessoal íntima, intocável no aspecto físico, mas bem tangente na sua dimensão introspectiva. Ou seja, quem acredita, sabe por que acredita. Ao passo que quem renega, busca respostas, questiona, quer de alguma forma também acreditar no que defende. Por isso provoca. Por isso necessita da partilha convincente de alguém mais próximo de uma verdade sobrenatural, que lhe mostre as razões de suas convicções. 

            Interessante é a conclusão do artigo de Gleiser: “Essa é a explicação pela fé, além da ciência” – diz a pessoa de fé. Ao passo que o ateu argumenta: “Eu prefiro continuar tentando do meu jeito”. Então à pessoa de fé só resta desejar: “Boa sorte, que Deus te inspire”. E ao ateu, continuar teimando: “Eu prefiro me inspirar sozinho mesmo”.

            Neste quadro de desafios para duas facções em atritos constantes, ao cristão sobra a missão que lhe é peculiar: continuar partilhando. Foi da partilha de cinco pães e dois peixes que se deu a multiplicação, para nos lembrar algo muito próprio da fé sem fronteiras, sem lógica, sem explicações plausíveis, mas visível aos olhos dos crentes: de uma ação solidária é que os milagres acontecem. E dela sobram muitos cestos.

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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